Trabalhadores como Battle, que já eram parte dos quadros da empresa
antes da proibição, não seriam demitidos por fumar em seu tempo livre, mas ela
percebeu a mudança de cultura que estava em curso.
“Trabalhar
no ramo da saúde envolve dar o exemplo”, disse o médico Bruce Rogen, diretor de
medicina do plano de saúde dos funcionários da Cleveland Clinic. Desde que a
clínica adotou a proibição, e que começou a oferecer programas gratuitos para
que seus empregados a deixassem o fumo, diz Rogen, centenas de pessoas pararam
de fumar.
Apenas
21 estados americanos (entre os quais o Ohio, onde fica a clínica) permitem que
empresas excluam fumantes de suas forças de trabalho. E nesses lugares, regras
semelhantes à adotada pela Cleveland Clinic se tornaram a norma no setor de
saúde, segundo Rogen. Agora, a prática está se espalhando, e companhias de
outros setores estão implementando regras semelhantes.
Isso
delicia os ativistas que combatem o fumo. No entanto, levou defensores dos
direitos civis a lançar alertas sobre o controle cada vez maior que os
empregadores exercem sobre as vidas dos trabalhadores, mesmo fora do
expediente.
A
U-Haul, uma companhia de mudanças sediada no Arizona que tem 30 mil
trabalhadores, este mês se tornou um dos maiores empregadores dos Estados
Unidos a suspender a contratação de usuários de nicotina —um termo que inclui
não apenas os fumantes mas os usuários de “produtos de nicotina”.
O
termo pode abarcar pessoas cujos exames revelem presença de nicotina porque
elas estão tentando deixar de fumar por meio de cigarros eletrônicos (“vaping”),
adesivos ou goma de mascar que contém nicotina.
Como
a Cleveland Clinic, a U-Haul permitirá que pessoas contratadas antes da
restrição conservem seus empregos. E as restrições de contratação só se
aplicarão aos 21 estados em que isso é legal nos Estados Unidos.
No
entanto, caso uma companhia americana decida demitir trabalhadores que usam
nicotina, os empregados não teriam muito recurso, a depender do local. Fumantes
não uma “classe protegida”, salvaguardada por leis federais, como as minorias
raciais ou os portadores de deficiências.
Isso
significa que, nos estados em que a lei permite demissões sem justificativa, um
empregador arbitrário pode demitir um trabalhador por praticamente qualquer
motivo, quer seja por fumar fora do expediente, quer por motivos ainda mais
arbitrários, como usar uma camisa da cor errada no escritório.
“Até
que ponto vão os direitos dos empregadores [a demitir alguém]? Não há
praticamente limite algum, a menos que o estado proíba”, diz Cathleen Scott,
advogada trabalhista radicada na Flórida. “A escolha que o trabalhador tem é
ficar ou sair —é assim que as coisas funcionam em um ambiente de trabalho que
permite demissões injustificadas”.
Os
estados que não permitem que empresas excluam usuários de nicotina muitas vezes
têm leis que proíbem discriminação contra “comportamentos legais fora do
expediente”, diz Karen Buesing, especialista em leis do trabalho no escritório
de advocacia Akerman.
Mas
a extensão das proteções oferecidas por essas leis pode variar, e no momento há
muito debate sobre casos de trabalhadores demitidos por terem usado maconha
prescrita legalmente por motivos médicos.
O
número de casos trabalhistas sobre uso de nicotina fora do expediente que
chegaram aos tribunais é baixo, mas os advogados trabalhistas acreditam que
pode haver maneiras de tornar essas exclusões ilegais. “Proibir o fumo [fora do
expediente] não é algo que tenha sido alvo de processos em número suficiente
para que o público saiba se [as decisões] são aplicáveis”, diz Daniel Gwyn,
advogado trabalhista em Michigan. “Parece-me interessante que a pessoa pode ser
severamente obesa, o que é uma questão de estilo de vida, e receber proteção
[sob a lei trabalhista americana]... mas não há proteção para os fumantes”.
Quanto
à U-Haul, a companhia disse que suas novas normas de combate à nicotina são
parte de seu compromisso para com a “wellness” de seus trabalhadores, mas que
também existem motivos financeiros claros em ação.
Nos
Estados Unidos, onde os empregadores costumam responder pelos planos de saúde
de seus trabalhadores, as companhias pagam mais por sua cobertura de saúde se
sua força de trabalho incluir muitos fumantes, diz Buesing.
Cerca
de um quarto das empresas com mais de 500 empregados oferecem descontos nas
mensalidades de planos de saúde aos trabalhadores não fumantes, diz Steven
Noeldner, sócio da consultoria Mercer.
Mas
as restrições ao fumo fora do expediente são
apenas um dos tipos de programas de “wellness” invasivos propostos por
empregadores. “Competições de fitness” estão se tornando cada vez mais
frequentes; nelas, os empregados usam contadores de passos ou outros aparatos
de controle para provar o quanto são ativos, em troca de descontos nas
mensalidades de seus planos de saúde.
Esses
programas são perfeitamente legais, desde que tenham sido estruturados corretamente,
mas empresas podem enfrentar problemas caso usem os aparelhos para rastrear
mais que o número de passos de seu pessoal.
A
maior parte das companhias recorre a fornecedores externos para agregar os
dados recolhidos nas iniciativas de “wellness”, e para garantir que sejam
anônimos, em um esforço para evitar problemas. Mas muitas empresas estão
implementando programas ainda mais intrusivos —por exemplo rastrear a
localização de trabalhadores por meio de celulares fornecidos pelo empregador.
“A
tecnologia está criando novas maneiras de rastrear e monitorar empregados”,
disse Brian Kropp, diretor de pesquisa de recursos humanos na consultoria de
tecnologia empresarial Gartner. As empresas muitas vezes recolhem o histórico
de uso de internet dos empregados e monitoram o que eles escrevem e dizem
usando equipamentos da companhia, ele afirma.
Outros
empregadores vão ainda mais longe e ligam as webcams dos computadores de seu
pessoal, e usam software de reconhecimento facial a fim de avaliar os
sentimentos dos trabalhadores sobre o emprego. “O relacionamento entre
empregados e empregadores está mudando”, ele diz. As companhias e seu pessoal
“eram praticamente desconhecidos” uns dos outros quando o dia de trabalho se
encerrava, mas essa já não é a maneira pela qual as coisas funcionam.
Como
no caso das restrições ao fumo fora do expediente, os advogados dizem
que a paisagem jurídica da vigilância eletrônica continua a evoluir. Queixas
sobre esse tipo de questão são muitas vezes decididas extrajudicialmente —como
no caso do processo aberto em 2015 por Myrna Arias, uma vendedora demitida por,
em seus horários de folga, desligar o GPS do celular que a seu empregador lhe
forneceu.
“Uma
grande dificuldade para as empresas... é que elas não calcularam integralmente
]as ramificações] éticas de suas decisões”, diz Kropp. Os dirigentes da U-Haul
estão reduzindo os custos da empresa com planos de saúde, mas ao mesmo tempo
revelando o que consideram como comportamento apropriados para a sociedade, ele
diz.
Essas
práticas tipicamente não são bem recebidas pelos defensores dos direitos dos
trabalhadores. “Houve época em que os empregadores buscavam garantir que os
trabalhadores fossem à igreja e não bebessem... Os operadores de minas
inspecionavam as casas dos trabalhadores”, diz Dale Ewart, que comanda as
operações do sindicato dos trabalhadores da saúde na Flórida. “Ninguém quer
viver dessa maneira. O comportamento de uma pessoa fora do expediente não
deveria influenciar sua situação de trabalho”.
Mas
pesquisas da Gartner ainda assim revelam cada vez mais aquiescência à
vigilância por empregadores. “Dois anos atrás, a percepção era que ‘isso é
coisa do Grande Irmão’”, diz Kropp. Mas graças ao avanço da vigilância digital
nas vidas das pessoas, por empresas como a Amazon e o Facebook, essa posição
está mudando. “Se o trabalhador sabe que o empregador está recolhendo dados, me
sabe para que os dados são usados, e se eles estiverem sendo usados para algo
útil, a vigilância é aceita”.
A
mesma coisa pode se aplicar às proibições ao fumo. Battle, da Cleveland Clinic,
inicialmente encarava negativamente as normas da companhia sobre o fumo.
“Quando eles adotaram as regras, senti [que eram discriminatórias”, ela diz.
Oito anos mais tarde, sua opinião mudou. “Depois que parei, fiquei feliz por
eles terem agido assim”, ela diz. “Estou feliz por o cigarro ter saído da minha
vida”.
Fonte:
Financial Times, tradução de Paulo Migliacci