No dia 1º de abril, quase caí no golpe do falso
advogado
No Brasil, todos
os dias são Dia da Mentira
No
dia 1º de abril, às 9 horas, recebi pelo WhatsApp uma mensagem da presidente da
Associação dos Docentes da UFRJ informando que o processo de pagamento do
retroativo de 3,17% havia sido liberado.
Para
solicitar o recolhimento dos alvarás de liberação, eu deveria entrar em contato
com o escritório de advocacia que cuida do processo.
Enviei uma mensagem para o
advogado responsável que respondeu: "Bom dia profª. Mirian, irei
identificar seu processo. Lhe retorno o contato até às 16 horas de hoje".
Tudo
parecia certinho demais, mas fiquei desconfiada e liguei para a sede da Adufrj.
"Recebi
essa mensagem por WhatsApp e quero confirmar com vocês."
"É
golpe!"
"Como
assim, golpe? Como eles conseguiram o número do meu celular e todas as
informações sobre o meu processo?"
"São
criminosos que têm acesso aos dados do processo e se passam por advogados em
mensagens por celular e e-mail. Muitos professores já foram vítimas desse
golpe."
Imediatamente,
bloqueei os contatos da falsa Adufrj e do falso advogado, mas fiquei em pânico.
Infelizmente, até ser uma possível vítima dos golpistas, eu não sabia nada
sobre o golpe do "falso advogado".
Só então li notícias sobre os
criminosos que estão atuando em todo o Brasil.
Fiquei horrorizada quando descobri que centenas de
brasileiros já caíram no golpe e que muitos se endividaram para pagar R$ 13
mil, R$ 23 mil e até mais a falsos advogados que usam uma linguagem jurídica
sofisticada e enviam dados verdadeiros dos processos.
Eles obtêm os dados por meio dos documentos
relacionados ao processo jurídico, que são públicos. Entram em contato com as
vítimas, utilizando fotos dos advogados, número da OAB e logomarcas dos escritórios.
Como os golpistas
têm todas as informações referentes ao caso, as vítimas acreditam que estão se
comunicando com um representante do escritório.
Eles então pedem o pagamento de
boletos falsos ou transferências via Pix, alegando que são referentes a
despesas do processo.
No dia 1º de abril, publiquei na Folha a
coluna "Brasil é o país que mais acredita em fake news",
mostrando que 88% dos brasileiros já acreditaram em notícias falsas.
Destes,
64% já caíram em golpes e 63% acreditaram em desinformação sobre propostas de
campanhas políticas e eleitorais. Paradoxalmente, 62% afirmaram que confiam na
própria capacidade de diferenciar informações falsas de verdadeiras.
Nos comentários sobre a minha coluna, leitores
culparam a baixa escolaridade, a ignorância e a desinformação dos brasileiros
pela crença em fake news. Um deles escreveu: "É que o
povo daqui é burro pela própria natureza". Em resumo, a culpa é das
vítimas, não dos criminosos.
Foi grande a minha vergonha de quase ter caído em
um golpe, ainda mais no mesmo dia em que saiu a minha coluna sobre fake news.
Confesso que acreditei no falso advogado porque, além de não ter conhecimento
sobre esse tipo de golpe, tudo parecia verdadeiro: as informações sobre o meu
processo, a logomarca da Adufrj, a foto e o número da OAB do advogado.
No Dia da Mentira, fui ignorante, desinformada e
burra, como disseram os leitores, e quase caí no golpe do "falso
advogado". Infelizmente, no Brasil, todos os dias são 1º de Abril.
E as vítimas, morrendo de vergonha e com enormes
prejuízos financeiros e emocionais, ainda são consideradas as verdadeiras
culpadas.
MIRIAN GOLDENBERG - antropóloga e professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela
Velhice"