Cérebro de post-its - Bruno Santos/ Folhapress
A capa é a malha perineuronal, assunto de estudo de neurocientistas que suspeitam que, se por um lado ela é útil ao fixar o aprendizado, por outro ela é um dos grandes empecilhos à reorganização do sistema nervoso em caso de catástrofe —por exemplo, quando há uma lesão da medula espinal por queda, acidente de carro ou ferimento à bala.
A malha perineuronal é formada por proteoglicanas, moléculas grandes em forma de escova de lavar copos cujo eixo central (o arame) é uma proteína, e as cerdas da escova são açúcares presos à proteína. Várias proteoglicanas, por sua vez, se ligam a proteínas presentes entre as células, como escovas de lavar copos penduradas em um varal —e assim cada neurônio tem seu corpo central devidamente "encapado" e protegido por uma malha de varais.
Com tamanha proteção, nem que quisesse muito um neurônio interrompido por uma lesão conseguiria crescer de volta e se reconectar ao seu alvo encapado.
Pesquisadores como Jerry Silver, da Case Western Reserve University, em Cleveland, nos EUA, resolveram então experimentar remover a capa para promover regeneração. Silver e seus alunos demonstraram recentemente que, com injeções de enzimas que comem a capa de proteoglicanas e tempo o bastante, camundongos com lesão completa de uma metade da medula espinal tem regeneração suficiente das fibras restantes para lhes permitir voltar a andar.
Claro, decidir injetar no corpo enzimas que destroem proteoglicanas não é trivial; essas, afinal, também são a essência das cartilagens do corpo. Mas tais injeções talvez se mostrem a melhor maneira de literalmente abrir caminho para a regeneração do sistema nervoso.
Suzana Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).
Fonte: coluna jornal FSP