Bancos e RGs na mira de Big Techs
Discretamente,
Apple começa a entrar no espaço de dois outros gigantes, governos e bancos.
Uma notícia importante passou despercebida nas
últimas semanas. A Apple entrou no mercado de "Open Banking".
O leitor pode perguntar:
"E daí?". Daí que discretamente a gigante americana começa a entrar
no espaço de dois outros gigantes: governos e bancos.
No caso dos bancos a Apple adquiriu a empresa de
análise de crédito chamada Credit Kudos.
Ela consegue analisar de forma
detalhada e em tempo real o perfil de crédito de uma pessoa.
Para isso utiliza
como parâmetro os dados da própria conta bancária dos usuários, compartilhados
por meio de esquema de "open banking".
Essa estratégia
amplia a avenida para empréstimos imediatos, embarcados em qualquer aplicativo
ou serviço de internet.
Por exemplo, se um entregador de aplicativo precisa
de recursos para consertar sua moto, pode obter os recursos na hora sem
qualquer burocracia, direto no próprio aplicativo de entregas.
É como se os
serviços bancários se pulverizassem. E a Apple quer não só acelerar, mas fazer
parte dessa pulverização.
Nessa linha, a modalidade de pagamentos que mais
cresce no mundo é o chamado BNPL ("Buy Now, Pay Later").
O consumidor
vai até a loja e compra qualquer produto, podendo pagar depois em parcelas.
Para nós brasileiros não tem novidade. Isso já existe no país há anos.
No mercado dos EUA é novidade total.
O temor é que esses
novos créditos para o consumo levem a uma outra crise de 2008.
Causada dessa
vez não pelo mercado imobiliário, mas por consumidores perdendo a linha ao
comprar "fiado" e não conseguindo pagar depois.
Essa análise em tempo
real de crédito pode ajudar a prevenir um novo desastre.
Já no campo governamental a Apple entrou com seu
aplicativo Wallet. A ideia é centralizar identidades e documentos em formato
digital em um único lugar, com validade jurídica.
Isso coloca uma pressão em governos de todo o
planeta para acelerarem a criação de identidades digitais.
Ao mesmo tempo,
coloca a Apple na posição de guardiã final de todas essas identidades.
Por
exemplo, o estado do Arizona nos EUA já emite sua identidade digital compatível
com a Wallet da Apple.
Não é difícil conceber o surgimento de um passaporte
100% digital aceito globalmente, custodiado pela empresa.
E o Brasil nessa? Nosso país tem atravessado uma
revolução no campo das identidades digitais provocada pelo Gov.br.
Junto
com o Pix, trata-se de uma tecnologia estruturante.
No caso, permitindo o acesso autenticado a uma vasta gama de serviços
governamentais.
De cara já teve um efeito positivo.
Diminuiu o
espaço do elitizado certificado digital, a "identidade" digital que
precisava ser comprada anualmente (R$ 150) para acessar serviços básicos
como imposto de renda ou previdência social.
Ao mesmo tempo, sempre
pode ser melhorado.
Seria ótimo se o Gov.br adotasse no futuro uma arquitetura
descentralizada, transferindo atribuições e controle para os cidadãos na ponta,
em vez de concentrar tudo de forma centralizada.
Mas é prematuro reclamar. O
sistema é uma conquista que por enquanto merece ser comemorada.
Já a Apple está aguardando para que essas
tecnologias se desenvolvam para poder agregá-las.
No mundo em que vivemos o
agregador é mais importante que o provedor. Bancos e governos que se cuidem.
RONALDO LEMOS - Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.