Com fama de hormônio de trogloditas, testosterona pode ter seu lado 'do bem'

Babuíno abre a boca e mostra dentes pontiagudos

A testosterona é um hormônio com sérios problemas de relações públicas, pessoal. Todo mundo só pensa na coitada quando algum idiota bate na mulher ou quando os membros de torcidas organizadas se comportam feito chimpanzés no Morumbi (minhas desculpas aos símios pela comparação). Estou aqui para pedir justiça para a testosterona: ela não é nem de longe tão malvada quanto dizem por aí.

Antes de explicar o porquê disso, porém, vamos aos fatos básicos. A testosterona, como o nome sugere, é produzida principalmente nos testículos dos moços (e também, em grau bem menor, nos ovários das moças; em média, o nível do hormônio no organismo de adultos do sexo masculino é umas sete ou oito vezes maior do que o encontrado no organismo de mulheres).

Tais quantidades elevadas de testosterona no corpo dos machos são importantes para o desenvolvimento das características típicas de seu sexo, o que significa não apenas a maturação dos órgãos sexuais como também, no caso da nossa espécie, a musculatura mais desenvolvida, os ossos mais robustos e a barba dos homens.

Até aí, sem controvérsia nenhuma. O caldo engrossa quando a gente tenta avaliar os efeitos comportamentais do "hormônio damacheza", que são reais, mas complicadinhos. Existe correlação entre níveis de testosterona lá no alto e agressividade? Existe, a começar pela correlação temporal –em muitas espécies, inclusive a nossa, a tendência a arrumar encrenca alcança um pico na adolescência, mais ou menos junto com os picos da molécula no corpo.

A amígdala, região do sistema emocional do cérebro muito ligada a comportamentos agressivos, também está repleta de receptores (basicamente "fechaduras" químicas) que são ativadas especificamente pela testosterona. Como o pessoal da fazenda sabe, castrar machos é um ótimo jeito de diminuir a agressividade deles. E receber uma dose extra de testosterona em experimentos de laboratório faz com que o sujeito aja de maneira excessivamente confiante e otimista.

Parece que ainda estamos no nível do estereótipo malvado, certo? A questão, porém, é que todos esses efeitos, em especial os ligados à agressividade, dependem muito do contexto social. É bem raro que a testosterona seja a causa do comportamento agressivo –o mais comum é que ela responda a fatores sociais que já estavam lá, como disputas por status no grupo. Se esse tipo de disputa tiver de ser resolvido no braço, aí, de fato, ela pode estimular o combate.

Mas nem sempre, ou não necessariamente. Em experimentos de laboratório nos quais a reputação dos voluntários –portanto, seu status– dependia da generosidade deles com outros participantes (dividindo dinheiro em jogos econômicos), injetar testosterona nos sujeitos fazia com que eles compartilhassem mais recursos.

Em suma, nesses casos, "homem de verdade" não era o sujeito que distribuía sopapos, mas o que dividia seus recursos com os demais. Dependendo de como funciona a dinâmica dos grupos sociais, portanto, o criticado "hormônio da pancadaria" pode se tornar uma força para o bem.

Uma rápida nota de rodapé: essas e outras informações iluminadoras estão no mais recente livro do neurobiólogo americano Robert Sapolsky, da Universidade Stanford, cujo título é "Behave" ("Comporte-se") –leitura recomendadíssima para quem se vira com o inglês

Reinaldo José Lopes - jornalista de ciência com graduação, mestrado e doutorado pela USP. É autor do blog "Darwin e Deus" e do livro "Os 11 Maiores Mistérios do Universo”.

Fonte: coluna jornal FSP

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