Nosso legado ambiental: a hora é
agora
Aprovações do Congresso colocam em risco meio ambiente e povos
originários.
As recentes aprovações no
Congresso Nacional do marco temporal da demarcação das terras indígenas e
alterações na estrutura e atribuições do Ministério dos Povos Originários e do
Ministério do Meio Ambiente, claramente enfraquecendo sua capacidade de atuação,
fiscalização e orientação do desenvolvimento sustentável, são muito
preocupantes.
Mais uma vez, a "boiada" está pronta para
"passar", mas agora com o Congresso tensionando o governo
recém-eleito.
O risco, novamente, é de retrocedermos décadas, comprometendo a
agenda vitoriosa na eleição, favorável ao crescimento baseado em energias
renováveis, tecnologias limpas e economia verde, combatendo a injustiça
socioambiental.
Nas últimas cinco décadas, em
vários momentos os temas ambientais tiveram destaque no cenário geopolítico
global. Dentre eles, destaca-se a busca de conciliação entre pautas econômicas
e a conservação da Natureza.
Deste esforço surgiram paradigmas importantes,
como o "desenvolvimento sustentável", que recentemente tem sido
substituído por novas propostas, como a de "sociedades sustentáveis".
Nela, a Economia Circular e a Bioeconomia substituem os preceitos já
ultrapassados da economia neoliberal ou do neodesenvolvimentismo.
O Dia Mundial do Meio Ambiente,
celebrado no dia 05 de junho, marca o momento de reflexão sobre os rumos que a
sociedade decide seguir.
O que escolhemos revela nossa essência e nosso legado.
O dia foi criado em 1972 pela ONU na histórica Conferência de Estocolmo para
nos estimular a fazer melhores escolhas.
Mas, o que de fato fizemos desde
então e especialmente nos últimos anos, quando a agenda ambiental ficou
escancarada a partir das evidentes mudanças climáticas que atualmente não
conseguimos mais refutar?
Recentemente, o Brasil
atravessou uma fase tenebrosa no campo ambiental e da garantia de direitos dos
povos originários e tradicionais, em que instituições federais foram
desmontadas para "passar a boiada".
As consequências muito graves
englobaram desde o aumento do ritmo de desmatamento na Amazônia até o reforço
do genocídio indígena.
Esses fatos repercutiram negativamente no exterior e se
traduziram em pressões políticas e econômicas sobre o Brasil. Também resultaram
em entraves relevantes, como no impasse entre o Mercosul e a Comunidade
Europeia, e a suspensão do financiamento do Fundo Amazônia
Nas Universidades públicas,
responsáveis por 80% da pesquisa nacional, inclusive na área ambiental,
verificamos também uma situação de grandes dificuldades orçamentárias.
As Universidades
Federais sofreram com o corte direto nos seus orçamentos, bem como
nas Agências de Financiamento Federais (CAPES, CNPq, FINEP).
As Universidades
Estaduais foram atingidas se não diretamente nos orçamentos, mas também no
financiamento, já que as agências federais também são fundamentais para o
financiamento em pesquisas.
Mesmo diante dessa situação de
desmonte, nossas instituições não deixaram de atuar, realizaram pesquisas e
apresentaram soluções.
No âmbito das governanças instituições a maioria
encontrou estratégias de atuar na agenda ambiental, quer pela ação direta em
suas práticas diárias, quer pela criação de políticas internas de inclusão da
agenda 2030 e de Gestão Ambiental.
Neste sentido podemos citar vários exemplos,
como o da Unifesp, que já em 2013, um Departamento de Gestão Ambiental e que
trabalhou diversas ações, tais como a redução do consumo de água, até a criação
de estratégias para a ação ambiental direta na descontaminação de terrenos de
sua propriedade, tal como ocorreu no Campus Diadema e Campus Zona Leste, que
tinham contaminações anteriores às suas instalações.
O Departamento
de Gestão Ambiental faz agora 10 anos.
A Unifesp também inovou na
criação de cursos de graduação e pós-graduação em Ciências Ambientais que têm
formado professores e especialista, além da produção de conhecimento que
possibilita a ação sobre a contaminação de águas e solos e a diminuição de
doenças provenientes da ocupação inadequada de territórios.
Esse tema foi objeto de diversos
debates durante a campanha eleitoral de 2022 e, claramente, venceu a disputa o
candidato que se pronunciou assertivamente sobre a Agenda Ambiental e as
Mudanças Climáticas.
O novo governo do Presidente Lula, trouxe alívio a tais
pressões, e vislumbra-se que o Brasil deve demonstrar seu claro compromisso com
a conservação da Natureza e respeito aos povos indígenas.
Contudo, nos últimos
dias o País, especialmente a Câmara dos Deputados, lançou sinais em sentido
oposto.
O esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas,
bem como o avanço de projetos de lei nocivos, como o do marco temporal das
terras indígenas (PL 490/2007) e o do Programa de Recuperação Ambiental (MP
1150/2022), indicam que a necropolítica de avanço indiscriminado do capitalismo
predatório sobre territórios trará grandes dificuldades para o avanço da agenda
de esperança para o Planeta. Temos um grande desafio para reverter tal quadro.
Nesta tarefa, as universidades
públicas e os cientistas exercem papel essencial ao gerar e aprofundar o
conhecimento, bem como formar profissionais para lidar com questões complexas
que caracterizam o campo ambiental.
Entre 2012 e 2022, por exemplo, o Brasil
ampliou em 250% sua produção [PA1] de artigos científicos na área de
Ciências Ambientais, ocupando atualmente o 12o lugar
entre os 220 países que publicaram sobre o assunto, de acordo a Scimago Journal & Country Rank. Na América
Latina, o país lidera com 49% da produção [PA2] de conhecimento na área.
O governo
do Presidente Lula poderá contar com a Ciência para apresentar evidências e
soluções, além de pressionar o Congresso Nacional, que afinal de contas,
deveria se comprometer mais com o desenvolvimento da Nação.
Temos que aproveitar melhor
nossa capacidade. Um bom caminho passa por formar decisões baseadas em
evidências científicas para construir ações que realmente promovam o bem-estar
das pessoas ao mesmo tempo em que conserva a Natureza. Trata-se de algo distante
dos encaminhamentos recentes no Congresso Nacional, inclusive chancelados em
parte por lideranças do governo.
Portanto, na retomada de seu protagonismo
global é fundamental o Brasil reforçar seu compromisso ambiental, recuperando a
estrutura que lida com esse tema e refutando pautas e projetos de lei
desconectadas com a realidade e o futuro do país.
SORAYA SAMILI - farmacêutica e
professora titular da Escola Paulista de Medicina da Unifesp.
Coordenadora-geral do Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência, o
Sou_Ciência