Transferi
ao governo brasileiro a cobrança que o Financial Times fez ao
governo britânico: “Por que as autoridades do Reino Unido parecem relutantes em
formalmente investigar oprivate bank do HSBC suíço a respeito das
alegações de que ele foi proativo ao auxiliar milhares de clientes a
esquivar-se do fisco?”
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu falar com
a Receita Federal, única instância que pode dizer se há ou não irregularidades
nas 5.549 contas de 8.677 clientes brasileiros encontradas na agência de
Genebra do HSBC.
Trata-se
do vazamento batizado de Swissleak, uma lista entregue por um hacker,
Hervé Falciani, ao ICIJ (sigla em inglês para Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos), cujo delegado no Brasil é o jornalista Fernando
Rodrigues, blogueiro do UOL.
No total, a lista tem 106 mil clientes de 200 países. França,
Bélgica e Argentina, por exemplo, estão investigando os seus nacionais.
O Reino Unido e o Brasil, não.
Quando cobrei José Eduardo Cardozo, ele perguntou se havia
indícios de crime, única hipótese que permitiria a seu ministério entrar na
investigação.
Respondi que os jornalistas não têm condições de dizer se há ou
não alguma irregularidade, por mais que leitores cobrem sistematicamente que
Fernando Rodrigues divulgue a lista completa.
Não pode e nem deve fazê-lo porque ter conta no exterior não é
crime, desde que devidamente declarada à Receita Federal e desde que tenham
sido pagos os impostos correspondentes.
Motivo
poderoso
Cabe, pois, à Receita dizer quem, dos 8.667 brasileiros da
lista, está limpo ou não. Sem essa averiguação, divulgar os nomes seria violar
a presunção de inocência.
Fernando Rodrigues conta, no seu blog, que, já em setembro, o
Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) recebera uma lista de 342
pessoas, para que pudesse fazer uma averiguação. Só na quinta-feira (12/2), o
Coaf informou que, das 342 pessoas listadas, 15 já haviam sido alvo de
relatórios que indicavam possível atividade criminosa, como corrupção, tráfico
de drogas e crimes fiscais. Mesmo assim, não revelou os nomes desses 15, que
mantiveram, entre 2006 e 2007, depósitos no HSBC de Genebra no total de US$ 650
milhões (R$ 1,858 bilhão).
Se e
quando Cardozo cobrar da Receita que entre no jogo, é possível que esta
responda que não pode fazer nada porque o crime de sonegação prescreve em cinco
anos (os depósitos hackeados são de 2006 e 2007, há no mínimo
oito anos, portanto). Mas Fernando Rodrigues se antecipa e diz que há outro
possível crime (evasão de divisas), que só prescreve depois de 12 anos.
Completa o jornalista: “Como o total de recursos de brasileiros era de US$ 7
bilhões à época, 2006/2007, a recuperação desse dinheiro, ou parte dele, equivaleria
ao tamanho do ajuste fiscal que a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff
pretende implementar no Brasil este ano.”
Deveria ter sido motivo suficiente para que o governo reagisse
sem precisar ser provocado.
Clóvis Rossi – jornalista da Folha de S.Paulo
Fonte: site Observatório da Imprensa