Pra que tanta pergunta?


Um amigo me pediu para dar uma olhada na carteira de investimento dele, buscando minha concordância (ou não) com a escolha feita. Olhar uma carteira de investimento é como olhar uma fotografia, pouco revela. Se quisermos saber mais a respeito, teremos que perguntar quem são as pessoas que estão na foto, onde estavam, quando e como chegaram lá, o que aconteceu, como se sentiram.

Mas não era só para olhar a foto? Era, mas a foto fica muito mais interessante se pudermos conhecer o contexto, entender os sentimentos e as emoções que cercaram aquele momento.

Uma carteira de investimento revela ser formada por ativos de renda fixa ou renda variável, se está concentrada ou diversificada, o tipo de risco que carrega. Se a fotografia for mais ampla, saberemos se ela proporcionou rendimentos positivos ou negativos nos últimos meses e anos. Embora sejam muitas as informações, ainda não é possível dizer se é boa.

A quem pertence essa carteira? O que essa pessoa quer da vida, que objetivos quer atingir, como ela age e reage perante acontecimentos inesperados? Que expectativas tinha quando optou por essa carteira? Limitarmos o olhar exclusivamente à carteira de investimentos, sem explorarmos outros ângulos da vida dessa pessoa, impossibilita avaliar se a carteira é boa ou não.

Boa para quem? Para entregar que expectativa? Em quanto tempo? Complicado responder a uma pergunta fazendo um monte de outras perguntas, mas não tem outro jeito.

O QUE OS BANCOS FAZEM

Imagine a dificuldade de conduzir, em massa, esse processo de diagnóstico individual. São muitos os produtos de investimento disponíveis no mercado. Maior ainda a quantidade de pessoas que compram esses produtos. E, como não existe um mesmo produto que seja o mais adequado para todos, foi preciso encontrar uma forma de padronizar as recomendações, evitando a venda indiscriminada de produtos.

Assim surgiu um formulário, denominado Análise de Perfil do Investidor (API), que investiga nossa idade, nossa escolaridade, quanto temos para investir, quanto do salário está comprometido com despesas, experiências passadas com investimentos, o que pretendemos fazer com o dinheiro, em quanto tempo, se estamos preparados para perder parte do dinheiro.

Parece chato, mas ajuda a instituição financeira a conhecer quem é o dono do dinheiro antes de fazer recomendações.

O QUE PODEMOS FAZER

Embora parecidos, somos diferentes, temos particularidades exclusivas. Como reagimos perante situações inesperadas que acarretam perdas financeiras, por exemplo, revelam muito sobre nós.

Uma das perguntas do formulário padrão questiona o que você faria se perdesse R$ 10 mil em uma aplicação de R$ 100 mil (10%). Resgataria, não faria nada ou aplicaria mais? Se você nunca viveu essa experiência, nunca tomou essa decisão com dinheiro de verdade, sua resposta pode sugerir um comportamento falso.

Muitos de nós avaliamos que somos capazes de suportar turbulência, cenários de riscos, aceitar perdas temporárias, confiantes de que lucros maiores virão. Na hora do vamos ver, entramos em pânico, saímos correndo, tentando salvar o que ainda pode ser salvo. Ou então ficamos paralisados, incrédulos, esperando por meses, anos a fio, que o preço volte para o que já foi um dia e possamos cair fora e nunca mais entrarmos nessa roubada de novo.

Antes de dizer que é capaz de enfrentar riscos e suportar perdas, faça um teste. Simulador não vale, coloque dinheiro de verdade, mas em quantidade muito pequena, um valor que poderia ser doado, que não vai fazer falta. Será suficiente para testar seu nível de resistência à dor e à perda.

Revele mais sobre você, a si mesmo e ao consultor financeiro, antes de investir. Assim, aumentam as chances de uma escolha mais assertiva, de uma foto perfeita. 

Marcia Dessen - planejadora financeira pessoal, diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros) e autora do livro "Finanças Pessoais: o que fazer com meu dinheiro" (Trevisan Editora, 2014)

Fonte: coluna no jornal FSP

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