Novo produto, velha estratégia, mesma mentira
Por que Bette
Davis, Humphrey Bogart, Lauren Bacall e Peter Lorre acendiam 30 cigarros por
filme?
Outro dia, numa revista americana dos anos 1940, vi
um anúncio estrelado por John Wayne.
Era do
tipo em que o modelo fala, e o produto era o cigarro Camel. No título, Wayne já
dizia: "Os papéis que interpreto exigem muito da minha voz.
Não posso me
arriscar a uma irritação de garganta.
Por isso fumo Camel. Ele é suave"
—sublinhado e tudo. Seguia-se o texto: "Estou há muito tempo no cinema e sei a importância da suavidade
do cigarro para um ator.
Assim, quando
precisei decidir qual cigarro era mais adequado para minha garganta, fui
exigente. Fiz um teste de 30 dias com Camel e descobri por que mais pessoas
fumam Camel do que qualquer outra marca".
Wayne escolheu Camel porque não irritava sua
garganta. Mas todos os outros cigarros prometiam isso, e também nas palavras de
astros do cinema: Fred Astaire, Bob Hope e Ronald Reagan diziam o mesmo do
Chesterfield.
Gary Cooper, Marlene Dietrich e Al Jolson, do Lucky Strike; e
Lucille Ball, no apogeu de "I Love Lucy", jurava pelo Philip Morris.
Conclui-se que, até para os fabricantes, o cigarro irritava a
Se o Camel era melhor para Wayne por ser suave, não
seria ainda melhor não fumar?
Mas nem se cogitava
isso porque, em parceria com os estúdios, os fabricantes tinham conseguido
impor a ideia de que, não ria, fumar era tão natural quanto respirar.
Não era
bem por acaso que tantos astros da Warner nos anos 1940 —Bette Davis, Charles Boyer, Peter Lorre,
Humphrey Bogart, Lauren Bacall— acendiam 30 cigarros por filme.
O Brasil e muitos países conseguiram derrotar o
cigarro no fim do século passado.
Mas, agora, os fabricantes voltam à carga com
um novo produto e com a mesma estratégia: o cigarro eletrônico é
"melhor" do que o cigarro comum porque "não é prejudicial
à saúde".
Em artigo recente na Folha ("Não se deixem enganar, os fabricantes de cigarros não
querem ajudar os viciados", 1º/1), o dr. Drauzio Varella mostra
números e fatos acachapantes sobre esta mentira que, 100 anos depois, o cigarro
eletrônico está conseguindo vender —aos velhos e, desgraçadamente, novos
fumantes.
RUY
CASTRO
- jornalista e escritor, autor das biografias de
Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira
de Letras.