Jovens estão mais obesos,
ansiosos e abusando do álcool, mostra inquérito nacional
Pesquisa ouviu 9.000 adultos de todas as regiões do Brasil; prevalência
de obesidade na faixa de 18 a 24 anos saltou 90%.
Jovens brasileiros estão mais
obesos, abusando mais no consumo de bebidas alcoólicas e ansiosos,
mostram dados inéditos de um inquérito telefônico realizado em todo o país e
divulgado nesta quinta (29).
O salto da obesidade é o que mais
impressiona. Em 2022, 9% da população com idade entre 18 e 24 anos tinha IMC
(Índice de Massa Corporal) igual ou maior que 30 kg/cm², o que configura
obesidade. Já em 2023 esse percentual subiu para 17,1%. Ou seja, um salto de
90%.
Quase um terço desses jovens
(31,6%) também já recebeu diagnóstico médico de ansiedade e relata
consumo abusivo de álcool (32,6%) nos 30 dias antes da entrevista —quatro doses
ou mais para mulheres, e cinco doses ou mais para homens, em uma mesma ocasião.
Em 2022, a prevalência foi de 25,8%.
Os números constam da segunda
edição do Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em
Tempos de Pandemia), desenvolvido pela Vital Strategies, organização global de
saúde pública, e pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas), com
financiamento da Umane e apoio da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde
Coletiva).
O levantamento ouviu 9.000
adultos brasileiros, de capitais e cidades do interior das cinco regiões do
país, por telefone (fixo e celular), entre janeiro e abril de 2023, com a meta
de fazer um retrato atual das DCNT (doenças crônicas não transmissíveis).
"O Covitel vem logo depois
da pandemia para lembrar problemas de saúde do Brasil que não são agudos, mas
que são urgentes.
O problema da obesidade, da inatividade física, existem há
anos, mas também são urgentes. Esse aumento nos jovens é apavorante", diz
Pedro Hallal, professor da UFPel e um dos coordenadores do Covitel.
O professor também afirma que o
índice alto de ansiedade entre os mais jovens pode ser um fator que explique o
crescimento de obesidade nessa faixa etária.
"A ansiedade está
relacionada com o aumento de consumo alimentar [...] então aumenta muito o
risco de obesidade."
Ele também menciona a perda de renda da população
brasileira, o que amplia o consumo de comidas inadequadas e, consequentemente,
incrementa as chances de alguém ter obesidade.
Para Luciana Sardinha, gerente
sênior de DCNT da Vital Strategies e também coordenadora do inquérito, o
aumento da prevalência da obesidade entre os jovens pode ser efeito do período
da pandemia de Covid-19, caracterizado por sedentarismo, consumo de alimentos não saudáveis e
isolamento social, mas também é reflexo da falta de políticas públicas voltadas
a esse público.
"Tem um gap. Temos uma
agenda para crescimento e desenvolvimento de crianças de zero a cinco anos.
Depois tem alguma coisa para os adolescentes, mas falta política pública para
esse público que está entrando na faculdade, começando no mercado de
trabalho."
Pedro de Paula, diretor-executivo da Vital, tem percepção
parecida. "É um grupo que costuma ficar esquecido.
A gente pensa em jovens
para sinistro de trânsito, violência urbana, mas não pensa nas DCNTs."
Aos 20 anos, o vendedor Felipe tem um IMC de 41. Pesa 138 kg e
mede 1,83 m. Nos fins de semana, chega a beber de uma a duas garrafas de
uísque, vodca ou gim. "Mas eu gosto mais de cerveja." E costuma dar
"umas três ou quatro puxadinhas" no cigarro eletrônico.
Ele diz que fica sem beber duas vezes por ano, durante dois
meses, para dar uma "desintoxicada" no organismo e ter "mais
ânimo".
"Como bem, sempre coloco algum legume e verdura no prato. Uma
vez por ano, vou ao nutricionista para ver se emagreço um pouco e controlo
melhor o triglicérides, que é meio alto. Já cheguei 152 kg."
Os jovens entre 18 e 24 anos também são os que menos consomem
frutas, legumes e verduras entre todas as faixas etárias.
Apenas 33,5% (frutas)
e 39,2% (legumes e verduras) incluem esses alimentos na dieta cinco vezes ou
mais na semana.
Ao mesmo tempo, são eles os campeões no consumo regular de
refrigerante ou sucos artificiais (cinco vezes ou mais na semana), com 24,3% de
prevalência, a maior entre todas as faixas etárias.
Também estão na liderança
em tempo de tela: 76,1% utilizam dispositivos como celulares, tablets ou
televisão três horas ou mais por dia para lazer.
Pouco mais de um terço (36,9%)
pratica os 150 minutos de atividades físicas semanais recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde), e 54,2% dormem a
quantidade de horas recomendadas para a idade (sete a nove horas por dia).
Esse conjunto de hábitos e
atitudes não saudáveis têm reflexos na saúde: 8,2% deles, o que significa 1,4
milhão de jovens, já têm diagnóstico médico de hipertensão.
Quase a metade (47%) relata ter
recebido prescrição médica, mas 46% afirmam não usar o medicamento prescrito.
Outros 750 mil jovens foram
diagnosticados com diabetes e 89% receberam prescrição de medicamentos. Porém,
60,4% não os utilizam.
"Não é que o problema virá no futuro, quando esses
jovens estiverem no auge do mercado de trabalho. É agora", diz Sardinha,
da Vital.
A saúde mental também vai mal.
Quase um terço dos jovens (31,6%), o que representa 5,5 milhões, já teve
diagnóstico médico de ansiedade. Outros 14,1% (2,4 milhões), de depressão.
Para Thais Junqueira,
superintendente geral da Umane, é fundamental que, a partir dos dados, haja
monitoramento dessas condições, bem como uma linha de cuidados voltada a esse
público e profissionais capacitados para atendê-los.
"A criança que chega com
dor de garganta à UBS sai dali com um anti-inflamatório, dali dois a três dias
ela não tem mais nada, mas é uma criança obesa que não está sendo vista pelo
sistema de saúde."
Ela também cita o trabalho de
organizações do terceiro setor que têm atuado nos Poderes Legislativo e
Executivo na elaboração de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da obesidade
(proibindo a venda de ultraprocessados nas escolas, por exemplo) e
dos transtornos mentais.
Para Pedro de Paula, da Vital,
também é importante a retomada de campanhas sobre os fatores de risco entre
adolescentes e jovens adultos, que hoje representam um grupo de muito interesse
comercial. "A indústria de tabaco e álcool quer fisgar novos consumidores
para ter um consumo de longo prazo", diz.
Segundo dados do inquérito,
23,9% dos jovens entre 18 e 24 anos já usaram cigarro eletrônico pelo menos uma vez na
vida. Em 2022, a prevalência foi de 19,7%.
Ele alerta que a promoção do tabaco, especialmente cigarro
eletrônico, e das bebidas alcoólicas tem crescido por meio das plataformas
digitais. "São propagandas subliminares de influenciadores usando ‘vapes’,
lives e podcasts transmitidos com consumo de álcool incentivados."
Luciana Sardinha diz que, ao serem questionados sobre o motivo
do uso do cigarro eletrônico, a maioria dos jovens afirma que é para acompanhar
os amigos ou porque "agora é moda".
"A indústria vem com essa forma de abordagem e está
funcionando. Você chega hoje ao supermercado e, ao lado da latinha de
refrigerante, que já é ruim, tem a latinha de vodca, tudo colorido, com muito
cheiro."
CLÁUDIA COLLUCCI – repórter do jornal FSP