Entre quem conhece IA, 56% temem que tecnologia
faça sua profissão sumir, mostra Datafolha
Medo é menor entre
pessoas com ensino superior; conhecimento sobre tecnologia avançou 26% em oito
meses
A parcela dos brasileiros que conhece a inteligência artificial já está em 86%,
segundo pesquisa Datafolha realizada neste mês.
Entre esse grupo, 56% das
pessoas têm medo de que a tecnologia faça a sua profissão ou área
de atuação desaparecer no futuro.
As respostas dizem respeito à IA generativa, aquela
como o ChatGPT ou o Gemini, do Google, que gera textos, áudios, imagens, vídeos
e até códigos de programação por meio de comandos textuais.
Apenas
16% da população se sente mal-informada sobre o tema, e 61% dessa fatia relatam
medo de que a sua área de atuação deixe de existir. Esse temor fica em 50%
entre os 29% que se sentem bem-informados.
O
receio também é menor entre quem concluiu o ensino superior, segmento em que
48% relatam algum nível de medo. Entre aqueles que fizeram o ensino médio a
fatia é de 59% e, dos que cursaram o fundamental, 61%.
A
extinção completa de profissões, porém, é improvável na opinião de
pesquisadores da relação entre tecnologia e o mercado de trabalho. Eles consideram que o impacto da IA na rotina dos
trabalhadores deve ter mais nuances.
O
professor de estudos de mídia da Universidade de Toronto Rafael Grohmann diz
que há uma tendência chamada "heteromação", em que parte da atividade
é automatizada e outra continua a cargo dos trabalhadores humanos.
Ele lembrou dos vídeos gerados com a nova
plataforma do Google Veo 3, que já viralizam nas redes sociais —como a apresentadora virtual Marisa Maiô— e chegaram à televisão. "Tem um
efeito no trabalho dos artistas, mas continua uma parte sendo feita por
humanos, aquilo mais ligado ao roteiro."
De acordo com Grohmann, esse cenário se repete em
outras áreas de atuação. No setor de logística urbana, por exemplo, empresas já
usam drones em algumas entregas, os entregadores fazem o trecho final do
percurso, e um trabalhador precisa supervisionar as máquinas.
"Nesses casos, você altera o processo de
trabalho, mas continua com pessoas lá —mais precarizadas", afirma.
Para o professor da FIA Business School Luís
Guedes, a inteligência artificial tende a transformar o mercado de trabalho,
com a emergência de novas carreiras, não a fazê-lo desaparecer. "Não
estamos diante de uma grande substituição, mas de uma grande
reestruturação."
"Os empregos que estão desaparecendo
inicialmente são aqueles de baixo conteúdo intelectual e que demandam pouca
destreza física, enquanto as funções com futuro próximo promissor são as que
tipicamente exigem habilidades relacionadas à analise de dados e outras que
demandam empatia, conexão social e com o meio ambiente, além de criatividade e
liderança."
86% DOS
BRASILEIROS JÁ OUVIRAM FALAR DE IA; 55% NUNCA A USARAM
A pesquisa Datafolha foi realizada nos dias 10 e 11
de junho, com 2.004 entrevistas em todo o Brasil, distribuídas em 136
municípios.
A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para
menos, e pode ser maior a depender do recorte de análise.
A parcela da população que já ouviu falar de
inteligência artificial subiu de 60% para 86% desde o último levantamento sobre
o tema, realizado em outubro do ano passado.
Embora
quase 90% dos brasileiros já conheçam a tecnologia, 55% da população nunca
utilizou algum recurso de IA generativa, que ganha popularidade desde o fim de
2022 quando o ChatGPT foi lançado.
A
educação também é o fator mais relevante no uso de IA. Enquanto 16% das pessoas
com ensino fundamental e 41% daqueles com ensino médio dizem utilizar a
tecnologia, 70% dos graduados em cursos superiores afirmam ter usado IA
generativa.
Buscas
na internet são citadas como a principal aplicação da IA para 21% dos
entrevistados, em empate técnico com uso no trabalho, mencionado por 17%.
Outros 13% citam uso da tecnologia nos estudos.
De
acordo com Guedes, as pessoas que resistirem a integrar IA a suas rotinas de
trabalho terão dificuldades de se manterem competitivos.
"Trabalhadores
sem diploma universitário enfrentam tipicamente o risco de substituição por
tecnologias atuais de IA e automação, que se destacam na execução precisa e
muito veloz de tarefas rotineiras, previsíveis e orientadas a processos."
"Me
preocupa que a mudança tecnológica está ultrapassando nossa capacidade coletiva
de requalificar a força de trabalho, criando uma lacuna precária entre as
habilidades existentes e as necessidades existentes", afirma o professor
da FIA Business School.
Ao mesmo tempo, diz ele, a inteligência artificial pode
proporcionar avanços na saúde, educação e sustentabilidade.
Para
Grohmann, está na natureza de qualquer tecnologia: quem a domina primeiro terá
vantagem competitiva. "Como o acesso é desigual, isso vai exacerbando,
obviamente, desigualdades."
O
uso também é significativamente maior entre os mais jovens, sendo que 64% dos
entrevistados com idade de 16 a 24 anos usam ferramentas de inteligência
artificial, e 58% dos que têm entre 25 e 34 anos. O índice cai para 21% entre
as pessoas com mais de 60 anos.
Apenas
36% da população espera mais benefícios do que prejuízos com o avanço da
inteligência artificial, enquanto 38% avalia que haverá mais prejuízos do que
benefícios. Para 23%, a IA não irá beneficiá-los nem prejudicá-los pessoalmente
—4% não souberam ou não quiseram responder.
PEDRO
S. TEIXEIRA - escreve em Mercado sobre tecnologia, formado em
jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP)..