Habemus mathematicum
O novo papa
desperta uma conversa improvável sobre matemática
Há quem diga que algumas pessoas enxergam matemática em tudo —uma variante do
chicoanysiano "só pensa naquilo". Talvez seja verdade.
Mas talvez a
matemática exista em (quase) tudo mesmo. Há uns dias descobri que a eleição do
267º papa carecia de pelo menos 89 votos do colégio de cardeais.
Pensei que
seria engraçado se por acaso fossem necessárias três votações para eleger o
papa.
E por quê? Ora, simples: o número 267 se decompõe em números primos, de
forma única, como três vezes 89.
E nessa brincadeira de procurar matemática nas
trívias papais, lembrei do primeiro papa. No Evangelho de João, conta-se que
Pedro foi recrutado por Jesus enquanto pescava.
E o evangelista é preciso ao
dizer que aquele que seria o primeiro papa pescou exatos 153 peixes. O que há
de interessante no número 153?
Primeiro, trata-se de um número com três
algarismos, que pode ser escrito como a soma dos cubos desses mesmos
algarismos.
Ou seja, 1³+5³+3³=153! Apenas mais cinco números têm essa
propriedade (quem se arrisca a descobrir quais são?).
Outra propriedade curiosa
desse número é que ele ainda pode ser escrito como a soma de todos os
algarismos entre 1 e 17, condição bastante rara.
E não para por aí: 153 ainda
pode ser escrito como a soma dos fatoriais entre 1 e 5: 1!+2!+3!+4!+5! E, para
finalizar, 153 é um número de Harshad: é divisível pela soma dos seus
algarismos.
Estava às voltas com essas coincidências quando
soube que, após quatro votações, o 267º papa havia sido eleito —com pelo menos
89 votos.
E então veio a grande surpresa: Robert Prevost, eleito papa e nomeado Leão 14, estudou matemática antes de
se tornar um intelectual versado nos temas da teologia.
Tomado pelo entusiasmo,
lembrei que o primeiro papa norte-americano não era o primeiro matemático a
ocupar o trono de Pedro.
No ano 999, Gerbert de Aurillac tornou-se o papa
Silvestre 2º. Nascido por volta de 945, Gerbert foi o primeiro papa francês e
um intelectual bastante reputado.
Ele estudava no mosteiro de São Geraldo, nos
arredores de Aurillac. Lá pelos idos de 967, ao passar pela região o conde
Borel 2º de Barcelona resolveu visitar esse mosteiro.
De lá, levaria consigo o
jovem Gerbert, que teria a oportunidade de estudar no vibrante universo
intelectual do Al-Andalus, sob a tutela de Hatto, bispo de Vich.
Nessa ocasião, Gerbert entrou em contato com os
algarismos arábicos e com a riqueza matemática da tradição de Al-Khwarizmi e Al-Kindi.
Foi nesse
ambiente que ele propôs a primeira versão do ábaco, um antigo instrumento de
cálculo, que utilizava algarismos arábicos.
Composto de 27 colunas, agrupadas
três a três, seu ábaco permitia cálculos mais ágeis, tanto que seu primeiro
biógrafo mencionou que era mais rápido alcançar um resultado nesse ábaco do que
expressar o mesmo resultado em palavras.
De volta ao conclave dessa última semana, importa
considerar o papel das probabilidades.
Em muitas casas de apostas, o cardeal
Prevost aparecia com pequenas chances de se tornar papa —algo como 1% ou 2%.
E
ainda assim foi o escolhido. Mais improvável seria existir um outro Robert
Prevost, contemporâneo do atual papa, autor de um tratado que relaciona a
teoria da probabilidade e a explicação teísta.
E por mais improvável que seja,
ele existe: não poucos colegas atribuíram ao novo papa a autoria de
"Probability and the Theistic Explanation", escrito por (outro)
Robert Prevost e publicado pela Oxford University Press.
Quando pensamos que um papa matemático é uma
novidade, temos de pensar duas vezes. Quando procuramos fatos curiosos sobre um
número pueril qualquer, é difícil parar de escrever sobre ele.
Quando
tropeçamos em um livro sobre temas aparentemente tão improváveis, concluímos
que só pode haver uma pessoa capaz de escrevê-lo, mesmo que a unicidade seja um
fato tão raro.
Mas a matemática é assim mesmo: escreve com suavidade por linhas
irregulares.
EDGARD PIMENTEL
- professor do Departamento de
Matemática da Universidade de Coimbra e pesquisador do CMUC