Do futebol à estrutura do átomo


Harald Bohr levou a seleção dinamarquesa à sua primeira conquista internacional.

 

Em 1913 o físico dinamarquês Niels Bohr (1885–1962) propôs o primeiro modelo quântico do átomo de hidrogênio: o elétron gira em torno do núcleo num número finito de órbitas circulares, pulando de uma órbita para outra quando absorve ou emite a quantidade certa de energia. Por esse trabalho, Bohr ganhou o prêmio Nobel da física em 1922. Mas nunca chegou perto da fama do irmão caçula, Harald.

Harald Bohr (1887–1951) era matemático: fez trabalho importante sobre a distribuição dos zeros da função zeta (teorema de Bohr–Landau) e fundou a teoria das funções quase-periódicas. Mas não foi (só) isso que fez dele um herói nacional: também ajudou o fato de ter jogado futebol pela seleção, levando a Dinamarca a sua primeira conquista internacional.

Os dois irmãos se interessaram pelo futebol na adolescência, como tantos jovens de classe média alta da época no mundo todo, inclusive no Brasil. Em 1905, jogaram no mesmo time, o Akademik Boldklub. Niels era goleiro, mas não muito bom. Numa partida contra os alemães do Mittweda ficou encostado no poste quando um adversário chutou de longe, tomando um gol fácil de evitar. No final confessou que estava pensando num problema de matemática e tinha esquecido do jogo. Logo abandonou o esporte e se dedicou à física, com mais êxito.

Harald era excelente jogador e foi escolhido para a seleção olímpica de 1908. Foi o primeiro torneio olímpico de futebol reconhecido pela FIFA, e as quartas de final foram também a primeira partida oficial da Dinamarca. Despacharam o time B da França por 9 a 0, com dois gols de Harald. Contra o time principal da França, na semifinal, foi a maior goleada da história da olimpíada: 17 a 1 (e você achava 7 a 1 dureza...). Os franceses ficaram tão mal que se recusaram a disputar o 3o lugar.

A final foi contra a poderosa Grã-Bretanha, inventora do jogo, que venceu por 2 a 0. Harald e seus amigos voltaram para casa com a medalha de prata, e a glória eterna dos heróis olímpicos. Ele ainda jogou mais uma vez pela seleção, vencendo a Inglaterra por 2 a 1, mas depois dedicou-se à matemática. Contam que na sua defesa de tese de doutoramento havia mais fãs de futebol do que matemáticos. Mas estou certo de que todos apreciaram seus teoremas sobre séries de Dirichlet.

Nos anos seguintes a física avançou muito. Em 1915, o alemão Arnold Sommerfeld refinou as ideias de Niels Bohr, combinando-as com a teoria da relatividade. O modelo de Bohr–Sommerfeld explicava muito bem o átomo de hidrogênio e, em 1917, foi usado por Einstein para prever o fenômeno da emissão estimulada de energia que, ao final dos anos 1950, nos daria o laser.

Mas esse modelo não conseguia explicar o funcionamento dos demais átomos, que contêm mais do que um elétron. Era necessária uma nova teoria quântica, mais poderosa. Para construí-la foi preciso voltar à pergunta: a matéria é feita de quê?

Marcelo Viana - diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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