Corte de juros não é prêmio, é aviso
- A ajuda para controlar os preços veio de fora, com uma estranha e
involuntária forcinha de Donald Trump
- Há a possibilidade de estarmos no pico do aqueciment
Chegaremos
ao Natal com dados econômicos que merecem
ser comemorados: a taxa de desemprego no menor nível da série,
enquanto pobreza e desigualdade chegaram também ao patamar mais baixo desde que
começaram a ser medidas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística).
O aumento da renda, impulsionada pela recuperação do
emprego formal, produziu um alívio que o país não via há tempos.
Esses
dados mostram uma economia aquecida, que deve terminar o
ano com um crescimento de 2,16% no PIB (Produto Interno Bruto), segundo as estimativas
reunidas no Boletim Focus, do Banco Central.
E a inflação perto das metas, contrariando 9
a cada 10 previsões feitas no início do ano.
O segredo do sucesso do governo Lula em controlar a inflação não foi
cortar gastos do governo, como recomendam economistas mais liberais, nem
baixar juros à força, para reduzir as dívidas do
Estado, como sugerem colegas menos ortodoxos.
A ajuda para controlar os preços
veio de fora, com uma estranha e involuntária forcinha de Donald Trump.
A errática política tarifária dos Estados Unidos, com toda a insegurança causada
pelas idas e vindas de seu presidente, teve como resultado uma significativa
queda do dólar em relação às moedas emergentes.
E
o dólar desvalorizado frente ao real entregou insumos e maquinários mais
baratos para nossas empresas, segurando preços mais em conta.
Olhando os dados, vemos que a inflação medida pelo
setor de serviços, que independe do dólar ou do mercado externo, continua acima
dos patamares desejados.
Ainda assim, o Banco Central sinalizou a intenção de
cortar a taxa básica de juros (Selic) a partir do início do ano que vem,
indicando que enxerga uma desaceleração da economia ali na esquina.
Aí está o ponto central que deve preocupar cidadãos
e orientar as estratégias de investidores nos próximos meses: o Banco Central
não corta juros (ainda que só em 0,25 ponto percentual) como premiação por
"bom comportamento" da economia.
Quando seus executivos sinalizam uma
redução, é porque já enxergam uma redução da atividade econômica no futuro
próximo.
O PIB do terceiro trimestre cresceu 0,1%, abaixo
das expectativas, que eram o dobro disso. E cresceu sustentado por agropecuária
e extração de petróleo e minério, não pelos setores que
refletem o ritmo doméstico.
Serviços, que concentram a maior parte da atividade
e dependem da força do mercado de trabalho, ficaram praticamente
estáveis. O consumo das famílias, que vinha carregando a economia, também
perdeu fôlego.
Ligando os pontos, existe a possibilidade de
estarmos no pico do aquecimento econômico possível nas condições atuais, e os
próximos meses trazerem menos empregos e, logicamente, menos renda para as
famílias, que seguem muito endividadas.
O ano de 2026 trará consigo as eleições
presidenciais. E queda nos indicadores de emprego não costuma ajudar em
campanhas eleitorais. Cabe aos investidores mais atentos prestar atenção nos
esforços do governo para fazer o dinheiro continuar circulando nos ritmos
atuais.
O corte dos juros, se vier acompanhado de uma pisada no acelerador para
ficar bem na foto das eleições, pode ser lento demais para sustentar as
expectativas de crescimento das empresas, refletida na alta das ações, por
muito tempo.
MARCOS DE VASCONCELLOS - jornalista, assessor de investimentos e
fundador do Monitor do Mercado