A revolução da bela velhice
Papa
Francisco defende que os velhos são os mensageiros do futuro, da ternura e da
sabedoria.
Em meio a rumores de que irá renunciar em breve, papa Francisco, aos 85 anos, foi forçado a
cancelar compromissos e alterar o protocolo de celebrações nos últimos meses
por causa de dores crônicas nos joelhos e problemas de saúde.
"Não me
abandonar quando minhas forças declinarem" foi o tema da sua catequese
realizada na praça São Pedro no dia 1º de junho.
"É a cultura do descarte, aquela mentalidade
que, enquanto nos faz sentir diversos dos mais frágeis, permite-nos imaginar
caminhos separados entre 'nós' e 'eles'.
Mas, na realidade, uma vida longa é
uma bênção."
Papa Francisco criticou aqueles que consideram a
velhice como "uma espécie de doença com a qual é melhor
evitar qualquer tipo de contato".
"A velhice constitui uma estação que não é fácil de
entender, mesmo para nós que já a vivemos. Embora chegue depois de um longo
caminho, ninguém nos preparou para a enfrentar; parece quase apanhar-nos de
surpresa.
Assim, todos somos tentados a esconder nossa vulnerabilidade, a
esconder nossa doença, nossa idade, nossa velhice, porque tememos que sejam a
antecâmara da nossa perda de dignidade."
Uma coisa é o bem-estar, disse, outra é cultivar "o mito da
eterna juventude", como a obsessão desesperada "da carne incorruptível",
retratada nas inúmeras cirurgias e tratamentos estéticos. "Na esperança de
derrotar a morte, podemos manter o corpo vivo com remédios e cosméticos, que
retardam, escondem, eliminam a velhice".
Para o papa, a
velhice é como certas obras de arte que, justamente por serem incompletas, têm
um encanto único.
Ele lembrou que, quando perguntaram à Anna Magnani se queria
tirar suas rugas, a atriz italiana reagiu: "Não toquem nas minhas rugas:
levei muito tempo para consegui-las".
"As rugas são um símbolo da experiência, um símbolo da
vida, um símbolo da maturidade, um símbolo do caminho percorrido.
O que
interessa é toda a personalidade, o que interessa é o coração, e o coração é
como um vinho bom que, quanto mais envelhece, melhor fica".
Na cultura do descarte, do egoísmo e do ódio que envenena o
mundo em que vivemos, precisamos escutar, enxergar e cuidar dos nossos velhos,
advertiu.
Cada um de nós deve proteger os velhos que são covardemente
abandonados, maltratados, desprezados e despojados da sua autonomia, inclusive
pelas próprias famílias.
"Não faltam aqueles que se aproveitam da idade do idoso,
para o enganar, para o intimidar de mil maneiras.
Lemos frequentemente nos
jornais ou ouvimos notícias de pessoas idosas que são enganadas sem escrúpulos
a fim de se apoderar das suas economias; ou que são deixadas desprotegidas e
abandonadas sem cuidados; ou que são ofendidas por formas de desprezo e
intimidadas a renunciar aos seus direitos.
Tais crueldades também acontecem nas
famílias. Os idosos são descartados, abandonados em asilos, sem que seus filhos
vão visitá-los.
O idoso é colocado no canto da existência. E isso acontece
dentro das próprias famílias."
Papa Francisco nos provoca a fazer uma verdadeira revolução da
bela velhice: uma conversão que "desmilitarize os corações, permitindo a
cada um reconhecer no outro um irmão.
Todos nós temos uma grande
responsabilidade: ensinar às mulheres e aos homens do nosso tempo a contemplar
os outros com o mesmo olhar compreensivo e terno que temos para com os nossos
netos.
Gosto de sublinhar esta palavra: a ternura dos velhos.
Os velhos são os
mensageiros do futuro, da ternura e da sabedoria de uma vida vivida".
Já escutei inúmeras vezes:
"Mirian, para de escrever sobre velhos, é muito deprimente e triste".
Não vou parar, e espero que papa Francisco também não pare, enquanto os velhos
forem cruelmente tratados, pelas próprias famílias, como seres inúteis,
invisíveis e descartáveis.
É preciso lembrar que todos
nós, nossos filhos e netos, seremos os velhos de amanhã. Papa Francisco nos
convoca a escutar, valorizar e cuidar dos velhos, dentro das nossas famílias,
com mais ternura e amor.
Os velhos são os mensageiros do nosso próprio futuro:
eles são a nossa esperança no amanhã.
MIRIAN
GOLDENBERG - antropóloga
e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A
Invenção de uma Bela Velhice".