Vamos insistir?
A
boiada está passando e nós estamos, sim, correndo risco.
Esbarrei recentemente no livro “A Bahia do Rio de
Janeiro – Sua História e Descripção de suas Riquezas”, por Augusto Fausto de
Souza, publicado em 1882.
Logo de cara, o autor nos brinda com umas linhas do
poeta Velho da Silva (1880): “Guanabara gentil, formosa e bela, remanso
côr de anil, de alvas espumas”.
Listando fatos do século 16, o autor menciona (pág.
28) “o estabelecimento da Armação para a pesca das baleias, que infestavam a
bahia”.
Mais adiante (pág. 157), citando o “celebre
capitão inglez Cook (1768)”: “O Rio de Janeiro é uma optima estação para a
escala dos navios; a bahia é segura e commoda, o clima é bom, ainda que quente,
e eu nunca vi, como ahi, tanta variedade de peixes, para cuja pesca o sitio é
muito apropriado”.
Passados quase 150 anos, cá estamos, natureza
destruída pelo homem, torcendo para que, com o novo marco legal do saneamento,
seja possível a despoluição prometida para a Olimpíada.
Imagino que em São
Paulo a história do rio Tietê seja parecida e permita sonhos
semelhantes. O exemplo do rio Tâmisa em Londres sugere que é possível. Seriam
símbolos de uma virada maior.
Será que vamos permitir semelhante degradação da Amazônia?
A
ciência nos informa que estamos próximos de um “tipping point” a partir do qual
a floresta não mais se regenerará.
As consequências seriam bem mais graves do
que os desastres das águas do Sudeste.
É inaceitável correr este risco, suicida
mesmo. Mas a boiada está passando e estamos, sim, correndo risco.
O risco ambiental é uma enorme ameaça que nos
assola, mas nem de longe a única. O Brasil vive um período prolongado de
agressões frequentes à imprensa, balas e armas desmarcadas, descaso pela imagem
do país, e muito mais.
O caso da saúde talvez seja o mais dramático,
pois envolve desprezo escancarado pela ciência e suas recomendações, falta de
planejamento e, portanto, descaso com a vida e enormes e desnecessários custos
sociais e econômicos.
Não são fatos aleatórios —são sintomas de um mesmo
fenômeno, de uma mesma origem.
Sem minimizar o impacto da devastadora pandemia,
parece-me claro que carecemos de um rumo.
A política partidária é fragmentada, despida de
posições programáticas claras, sem visões e propostas abrangentes para submeter
ao eleitorado.
Sim, o Congresso tem dado respostas importantes aqui e ali, mas
tipicamente mais reagindo a problemas do que criando soluções.
A agenda econômica cantada liberal enfrenta cada
vez mais dificuldades de desenho e execução, interditada em boa parte pelo
próprio mandatário máximo da República.
A recessão do ano passado foi menor do
que se previa, mas a situação fiscal permanece insustentável e a social,
precária.
No que tange às agendas de costumes e de combate à
desigualdade, o quadro é ainda mais desolador, pois tem havido retrocesso.
Diante das dificuldades patentes neste início de
2021, o tema do impeachment entrou no radar, com
manifestações abertas de atores de diferentes setores.
Inegavelmente não é bom sinal que um país esteja a
toda hora “impichando” seu presidente.
Por outro lado, me parece bem mais grave
que um país conviva com crimes de responsabilidade nos altos escalões de sua
hierarquia. Intolerável mesmo.
Sem essa intolerância fica impossível abraçar o
Estado de Direito e o império da lei para todos, condição necessária para o
pleno desenvolvimento de uma nação.
Na prática, a imputação de responsabilidade nem
sempre é clara. Há crimes e crimes, com diferentes consequências.
Cabe ao
Congresso examinar cada caso em seu contexto, avaliar se abre o processo e, em
caso afirmativo, ponderar sobre as consequências e decidir.
Posso apenas dizer que, do ponto de vista
econômico, social e institucional, os custos de mais do mesmo são imensos e
insustentáveis.
Arminio
Fraga - sócio-fundador da Gávea
Investimentos, presidente dos conselhos do IEPS e do IMDS e ex-presidente do
Banco Central.