Ando desconfiado. Desconfio do que leio nos jornais. Desconfio
do que vejo na TV. Desconfio do que recebo pela internet. Desconfio das
estatísticas dos políticos. Desconfio das estatísticas dos economistas.
Desconfio do desconto na loja. Desconfio da promoção da empresa de telefonia.
Desconfio do brinde no posto de gasolina. Desconfio do vendedor. Desconfio do
padre. Desconfio do policial. Desconfio do eletricista. Desconfio da pessoa que
me aborda para perguntar as horas. Desconfio de quem defende o governo.
Desconfio de quem ataca o governo. Desconfio de quem não gosta de política.
Desconfio do técnico do meu time. Desconfio do filme que ganhou o Oscar.
Desconfio do vinho que me servem. Pior: desconfio que estou educando meus
filhos a desconfiar dos outros.
Tô ficando louco? Velho? Ranzinza? Ou sou apenas um brasileiro deste início de
milênio, igualzinho a você?
Meio século de vida me mostrou que confiar cegamente é perigoso, mas a
impressão que tenho é que saí do oito pro oitenta! E descobri que não sou dos
mais intolerantes. Meus amigos também desconfiam!
Um estudioso norte-americano chamado Robert Putnan escreveu que “uma sociedade
caracterizada pela reciprocidade generalizada é mais eficiente que uma
sociedade desconfiada”.
Sociedade desconfiada...
Essa
é a melhor definição para o momento atual. Diga sinceramente: em quem ou no que
você confia?
Você provavelmente vai perceber que a resposta cairá em sua família ou em algum
deus. Dificilmente em alguma instituição pública ou privada. Pois houve um tempo
em que confiávamos na Justiça . Na polícia. Nos políticos. No professor. No
padre. No jornal.
Estamos perdendo aquilo que Robert Putnan definiu como “capital social”. Nos
últimos cinquenta anos assistimos à redução do envolvimento cívico e político,
dos laços sociais informais, da tolerância e da confiança. Passamos menos tempo
com os amigos, frequentamos menos clubes, nos afastamos da política, dedicamos
horas e horas à TV e recebemos pela imprensa uma carga diária de catástrofes
que nos transformam em indivíduos medrosos, descrentes e desconfiados.
Inspirar confiança, então, passa a ser uma tarefa quase impossível. Integridade
e caráter tornam-se elementos-chave.
E pense bem: quais são as demonstrações de integridade e caráter a que você
assistiu nos últimos dias? Últimos meses? Últimos anos?
Tá
difícil de lembrar?
Por isso desconfio.
Obs.: Este texto foi escrito em 2006 e publicado em meu livro Nóis...Qui
Invertemo As Coisa. Desconfio que nada mudou.
Luciano Pires – editor do Café Brasil www.portalcafebrasil.com.br