Visitei uma amiga que estava
com a neta de nove anos e que recebera da filha, mãe da menina, a incumbência
de orientar a garota para que ela fizesse todas as tarefas e estudos escolares
do dia seguinte durante o período em que ficaria na casa da avó. Solicitada a
colaborar, sentei com a garota para ajudá-la a se organizar nos estudos.
Perguntei o que ela tinha de
fazer, e a resposta foi: "Ah, não sei, está tudo na agenda. Pode ver
lá". Pedi para que ela fizesse isso e soube, então, que ela nunca via a
agenda, porque era a mãe que olhava e dizia a ela o que fazer.
"Para que serve sua agenda
escolar?", perguntei. "Para minha mãe saber o que eu preciso fazer,
para ela escrever e ler os recados da escola e para ela saber quando eu tenho
provas. E para eu copiar o que a professora manda."
Muitas escolas usam a agenda
com a finalidade de informar os pais sobre o andamento da vida escolar do
filho, para que eles se responsabilizem por ela. O problema é que os alunos,
independentemente da idade, pouco se importam com a agenda, já que logo
percebem que ela é um elo de comunicação entre a escola e a sua família.
O uso ou o não uso da agenda
pelos estudantes é apenas um exemplo de como as escolas e as famílias não têm
percebido a lição que têm deixado de ensinar aos mais novos, relacionada ao
entendimento do que vem a ser um processo.
Pense em uma criança ou em um
adolescente que você conheça, caro leitor, em uma situação bem corriqueira:
tomar banho. Você acha que eles sabem que tomar banho é um processo que tem um
começo, um meio e um fim? Não! A maioria pensa que tomar banho é o ato de tomar
banho. O início e o final do processo ficam com a mãe, a empregada ou outra
pessoa.
Quem tem filhos ouve com frequência
a frase "Mãe, me traz a toalha?", separa as roupas que o filho usará
depois do banho, coloca a toalha para secar e as roupas sujas em seu devido
lugar e...
Estamos criando uma geração que
não se dá conta de que precisa assumir o processo como um todo, ou que toma a
parte pelo todo. Volto ao exemplo da agenda, porque quase todos nós a usamos.
De que adianta anotar os compromissos se não os verificamos depois? De nada,
não é? Pois assim tem sido com os mais novos.
E esse estilo de tomar a parte
pelo todo não está circunscrito às responsabilidades: está em tudo, inclusive
no lazer e na diversão. Ir a uma festa de aniversário para eles significa
apenas e exatamente ir à festa. Providenciar um presente quando for o caso,
pagar por ele, pensar na roupa que irá ser usada, no meio de transporte, etc.?
São tarefas da mãe, é claro! Mesmo aos 16, 17 anos...
Já ouvi muita reclamação de
empresários, diretores e gerentes sobre como os funcionários mais jovens deixam
de cumprir muitas de suas responsabilidades exatamente por isso: falta de
clareza pessoal do processo ao qual seu trabalho está integrado. Em geral, eles
cumprem o que acham que lhes cabe o equivalente a tomar banho, ir à festa
etc. e dão sua tarefa por terminada.
Você percebe, leitor, a relação
entre os exemplos citados e o comportamento no trabalho? Somos nós que temos
ensinado isso a eles, desde muito cedo. Podemos e devemos ensiná-los de modo
diferente.
Rosely Sayão – psicóloga e consultora em educação
Fonte: caderno cotidiano / jornal FSP