“A imaginação se perde,
começa a faltar... não se tem nada, há um vazio, todo mundo tomando remédio
para ficar bem. O fato de as mulheres se fantasiarem com um personagem que
gosta de sexo selvagem [Cinqüenta Tons de Cinza] sugere que sexo se
tornou muito chato. Depois da revolução sexual da minha geração o sexo foi
banalizado”
Camille
Paglia se espanta com o Brasil. “Não entendo, as mulheres reclamam de
desinteresse masculino, apesar de serem muito mais sensuais do que as
americanas”. Sobrou o vazio. Seria endorfina, oxitocina, serotonina pra valer
se fosse de verdade.
Não é
só no Brasil. Num artigo para a revista Época (16/12/2013) Jairo Bouer
reconhecia: “eles desistiram da vida sexual”. Pesquisas sobre a vida sexual
tanto no Reino Unido (revista Lancet) como no Japão, dois países do
grupo dos mais industrializados do mundo, provaram: todos estão fazendo menos
sexo. Desejo e afeto foram trocados pelos gadgets e pelo sexo virtual.
Ou seja, menos envolvimento, compromisso e consequências. Um mês antes o
Huffington Post (3/11/2013) apontava os espanhóis, não tão tecnológicos, na
cabeça da infidelidade na Europa. Os espanhóis não conseguem segurar o amor
pelo parceiro/a por mais de 300 dias, que vai se arrastando no máximo por 900
dias. Até morrer.
A
traição é saudade da hiperatividade, necessidade de esporte radical, fricção no
desconhecido e proibido, tudo muito rápido e volátil. Christopher Ryan, autor
do best-seller (na lista do New York Times) No Princípio era o
Sexo, explica “como nossos antepassados mais próximos, os chimpanzés, o
Homo Sapiens ao se desenvolver tornou-se uma espécie promíscua”.
Para
Camille Paglia é tudo falta de grandes estilos artísticos: “A cultura está em
crise e as pessoas estão nervosas, ansiosas, distraídas, a mente delas não está
focada”.
E
tome sexo nas telas, no palco, nos anúncios, a banalidade erótica e boçal que
se extingue não em 300 dias, mas em 3 minutos. Os jornais vão atrás, estimulam
a melação ou no mínimo não põem a mão no freio da onda. Em O Erotismo,
George Bataille já advertia – atenção diretores de telenovelas e cinema – que
“o erotismo abre um abismo, querer iluminar suas profundezas exige ao mesmo
tempo uma grande resolução e uma calma lucidez”.
O que
a maioria dos nossos criadores sabe de calma lucidez?
Ao
comentar Ninfomania que acaba de estrear (38 falos flácidos, de todas as
cores e tamanhos, passam pela tela em 30 segundos, competição para ver quem
transa mais durante uma viagem de trem...), Inácio Araújo critica, na Folha
de S.Paulo (8/01/2014), o ponto final da “trilogia da depressão” do
dinamarquês controverso Lars von Trier.
“Estamos longe da ideia de
afeto, mas também da de prazer. Assim como em Anticristo e Melancolia
[filmes anteriores] parece haver algo de irrecuperável no ser humano. A
sexualidade em [no personagem] Joe não é angústia, felicidade, gozo. Não
é nada, a rigor. É um ato desprovido de sentido, embora sempre em busca de
sentido”.
Nada
melhor definido do que no ótimo livro recém-lançado por Fernanda Torres, best-seller
de vendas no Natal, Fim, que relata o tédio da sofreguidão do sexo e a
falta dele em cinco amigos pra lá de maduros chegando... ao fim. Coisa de macho
que só pensa no pênis e no tamanho dele. Por sinal, uma pesquisa divulgada por
fabricantes de preservativos mostrou que em matéria de tamanho de pênis o
brasileiro está em 14º. lugar no mundo – nenhum europeu à frente dele, o Congo
em primeiro lugar. A preocupação vem de longe e assume diversas formas. Ortega
y Gasset sentenciou: um homem nunca é tão feliz quanto ao sair para caçar.
Fecundidade
em queda
As
meninas estão hipersexualizadas, trocando Barbie pela estética gótica – na
Idade Média seriam queimadas como bruxas –, perfurando o corpo com piercings,
tatuando a pele com dor até chamar atenção para a identidade, a visibilidade do
corpo, saindo à caça, caindo no mesmo vazio masculino. Para aumentar a
bilheteria, agora Hollywood foca o erotismo adolescente.
Outros
dois filmes recém-lançados no Brasil que abordam sexo, longe do erótico – O
Azul é a Cor Mais Quente, do franco-tunisiano Abedellatif Kechiche (três
cenas de sexo entre duas mulheres, que duram cerca de 15 minutos) e Jovem e
Bela, do francês François Ozon (discute a sexualidade feminina) –, não
atraíram grande público. Azul, 75 mil pessoas, Jovem e Bela, 27
mil, contra 1,7 milhão de ingressos vendidos em Até Que a Morte Nos Separe 2.
“Parece
que o público, anestesiado pela pornografia sem limites na internet, não se
escandaliza mais – e tampouco se interessa pelo que o cinema tem a dizer sobre
o sexo” (“O sexo delas, por eles”, na Época desta semana). Que dirá
sobre o que a televisão exibe...
Nosso
público é parte de uma população envelhecida com a fecundidade nacional em
queda que pratica cada vez menos sexo, afeto, erotismo, prazer. Estamos
perdendo o melhor da festa de tanto ler na imprensa, ver na ficção e nos
anúncios, da poltrona de casa ou do cinema, gente na escala mais baixa do
desenvolvimento humano que só pensa naquilo.
Norma Couri – escritora e jornalista
Fonte: site Observatório da Imprensa