Depois
de se revelarem o paraíso dos selfies, narcisistas, exibicionistas e voyeurs,
as redes sociais estão virando também, às vésperas de mais um ano eleitoral,
palanque para todo tipo de crítico ou defensor do partido A ou B. Inicialmente
saudadas como plataforma universal e suprassumo da liberdade de opinião, as
redes sociais estão se tornando uma preocupante torrente de inverdades,
acusações irresponsáveis e inconsequentes e incontáveis baboseiras.
Antes
que me acusem de ser contra as redes sociais, é bom que se diga que a vida
inteira defendi a plena liberdade de opinião e de expressão e sempre me
posicionei contra qualquer tipo de censura ou autoritarismo. Sempre defendi o
livre arbítrio, fosse para ir à rua protestar contra o governo, fosse para
mudar de canal porque discorda da postura política ou ideológica dos donos de
uma emissora de TV. Mas o que está sendo gestado nas redes sociais é, deveras,
para se botar as barbas de molho.
Enquanto,
em Brasília, alguns parlamentares se mobilizam para tentar aprovar absurdas
regulamentações de uso das redes sociais – em que qualquer comentário ou opinião
nelas publicada, contrária ou crítica da atuação política de nossos governantes
e congressistas, pode ser passível de uma ação judicial contra seu autor – o
que fazem os usuários dessas redes? Usam e abusam de acusações levianas contra
políticos de partidos A ou B; replicam informações de fontes fantasmas,
anônimas, parciais ou notoriamente inconfiáveis; divulgam dados infundados e
pesquisas sem o mínimo critério científico que possam sustentar qualquer
argumento ou denúncia. Ou seja: agindo assim, de maneira irresponsável,
inconsequente e até ingênua, muitos internautas só dão argumentos para esses
políticos da banda podre que, por não aceitarem a crítica, sempre preferem
calá-la.
Satanização
da mídia
O que
impressiona sobremaneira é que muitas pessoas esclarecidas e informadas também
estão caindo nessa esparrela, sem se darem ao trabalho prévio de comprovar a
fonte de uma informação antes de retuitá-la, ou de curti-la e compartilhá-la no
Facebook. Estão chocando o ovo da serpente, alimentando a fera que as irá
devorar em breve.
Ninguém
tem dúvida de que a corrupção é uma endemia que tomou conta dos gabinetes em
Brasília e em cada um dos milhares de municípios deste país, em suas distintas
esferas de poder. Mas daí a usar as redes sociais (e, muitas vezes, sob o
abrigo do anonimato) para difundir suspeitas e acusações sem provas contra
qualquer autoridade, tira a razão de qualquer denunciante. E é um ato da maior
baixeza e covardia.
Defensores
dessa prática são, em geral, aqueles mesmos que condenam supostas (ou não)
parcialidades da chamada grande imprensa na cobertura e análise dos fatos
políticos. Paranoides e adeptos de eternas teorias conspiratórias contra seus
partidos e aliados, dedicam-se muito mais a satanizar a mídia que a desmentir
ou esclarecer os fatos – ou até, em alguns casos, que a rever suas ideias à luz
de indefensáveis acusações. Nessa onda de execração da mídia, defendem,
inclusive, o seu rígido controle pelo governo, ignorando que esse tipo de
controle sempre é um eficaz instrumento de opressão usado pelas ditaduras em
todo o mundo.
Ora,
jornalistas sérios têm por hábito checar qualquer informação antes de
publicá-la. É quase automático, isso. Afinal, sua credibilidade como
profissional está em jogo quando vem a público denunciar um caso de
superfaturamento, tráfico de influência, licitação fraudulenta ou peculato.
Como
qualquer um que posta uma acusação pessoal contra um desafeto político não tem
esses cuidados, a coisa está descambando para o pior. Em nome de uma pretensa
liberdade de opinião e de expressão que tenta se travestir de “liberdade de
imprensa” nas redes sociais – para se opor às linhas editoriais adversas dos
vários veículos de comunicação –, muitos pseudojornalistas (e até alguns
jornalistas mal-intencionados) têm desvirtuado o propósito de informar,
analisar ou criticar.
Digressão
inevitável
Há
uma tecla no meu computador em que estou sempre rebatendo: o que falta, na base
de tudo, é Educação. Nunca – nem antes, nem depois – na história desse país,
qualquer governo deu real prioridade à Educação. O motivo é simples: povo
instruído e informado desenvolve senso crítico, vota consciente, derruba
governos. E isso não interessa aos governantes, cujo real propósito é
perpetuar-se – com seu grupo político – no trono.
Povo
ignaro é povo útil ao poder. É massa de manobra, facilmente regada a pão e
circo. É incapaz de ler uma mesma notícia em dois ou três jornais ou sites, ou
vê-la em mais de um telejornal, avaliar criticamente o fato, tirar suas
próprias conclusões, separar o joio do trigo e formar seu próprio juízo. Aí
entra em cena o manipulador oportunista, pau mandado do governo ou da oposição
da hora, e insufla o povo contra a mídia A ou B – grande satã responsável por
todas as mazelas do país porque ela apoiaria o candidato C ou D.
Mas...
voltemos às redes sociais. (Pulemos, contudo, um peculiar aspecto de seu uso
mais recente, que é sua função gatilho para convocação de rolezinhos,
arrastões, brigas de torcidas e outras práticas coletivas menos nobres, para
retomarmos o saudável exercício da liberdade de opinião.)
Basta
um breve e ocasional acompanhamento de posts trocados no Facebook e
comentários publicados por leitores de blogs para ficar evidente que o
ciberespaço é, também, o mais profícuo cemitério da nossa língua. Mas, para não
gastar saliva com os já conhecidos e recorrentes atentados cometidos contra a
ortografia e a gramática, quero chamar a atenção somente para aquela que morre
um pouco mais a cada post publicado por leitor indignado de blog,
Twitter ou Facebook com algum conteúdo crítico: a ironia.
Nariz
de Pinóquio, não!
Os
leitores parecem levar tudo ao pé da letra, pouco familiarizados que são (por
falta de outras leituras, presumo) com as muitas nuances e intenções da palavra
escrita. Só são íntimos da palavra oral, porque a inflexão que lhe é dada por
quem fala é mais claramente perceptível. Assim, quem se forma apenas
conversando no balcão do botequim, vendo mundo cão nas tardes da tevê e ouvindo
funk – sem nunca ler um livro ou jornal, ir a teatro e museu, ou se dar uma
chance de ouvir Chico Buarque – não percebe e não assimila metáforas,
ambiguidades e ironias. Com isso, o humor está morrendo (e vai acabar
arrastando a poesia pro mesmo buraco).
Um
episódio recente, envolvendo o compositor e ex-ministro Gilberto Gil, é bem
representativo disso. Ele notificou o site www.teatronu.com pela publicação de um texto
ficcional e irônico, que criticava a política cultural pública em Salvador e na
Bahia, citando-o como personagem – baiano ilustre que é. O ex-ministro não
entendeu a piada e já foi logo notificando o seu autor, Cláudio Marques, para
que o texto fosse retirado do ar em 24 horas.
Concluo
que até as pessoas mais cultas e esclarecidas desse país estão perdendo o senso
de humor, nas redes sociais. Ou – como diria um outro compositor baiano – “não
estão entendendo nada!”
Essa
incapacidade de se entender a ironia crítica também é preocupante, quando os
nossos parlamentares já conspiram para impor limites às críticas que se lhes
possa fazer nas redes sociais. Vai que uma alta autoridade ache ofensivo que
comentem que ele arrumou emprego para a família toda num ministério e que todos
recebem polpudos salários mesmo sem trabalhar? Ou que algum deputado não goste
de um comentário publicado sobre suas ausências nas votações da casa? Ou que um
senador não goste que comentem que seu implante capilar custou caro aos cofres
públicos? Só falta, agora, que algum político que não tenha gostado de uma
charge sobre ele, publicada em jornal, apresente um projeto de lei impedindo
que caricaturistas o retratem com nariz de Pinóquio! (E eu, sem querer, dando
ideia para essa gente. Vai que...)
José
Carlos Aragão - jornalista, escritor e dramaturgo, Belo Horizonte, MG
Fonte: site Observatório da Imprensa