Mudar de carreira depois dos 40, necessidade, coragem ou loucura?


Mudar de carreira depois dos 40, necessidade, coragem ou loucura?

Para muitas de nós, a escolha não nasce de um plano ousado, mas de um encurralamento do mercado de trabalho.

"O que você faz?"

A pergunta aparece invariavelmente em conversas com estranhos ou gente relativamente nova no círculo de amizades. 

Apesar de genérica, não necessita de nada mais do que as quatro palavras que a compõem para que seja plenamente entendida. 

Quem ouve sabe bem que quem pergunta não está interessado em saber sobre a rotina diária de seu interlocutor, a que horas ele acorda, o que cozinha no café da manhã, os esportes que pratica, os lugares que frequenta, muito menos os hobbies que lhe preenchem. "O que você faz?" é uma pergunta sobre trabalho.

O que você faz é uma pergunta sobre trabalho que chega carregada de expectativa. Sua resposta define como o respondente será visto, tratado, levado ou não a sério. 

Ela denota não apenas o status presente daquele que responde, mas estabelece o desenho de seu passado —se estudou numa boa escola, se foi um aluno empenhado, se nasceu de pai e mãe ricos—, de seu presente —se mora numa casa boa, se é capaz de viajar uma, duas, três vezes por ano, se tem amigos em lugares importantes— e de seu futuro —se seguirá subindo os degraus da prosperidade ou estará fadado a permanecer onde está na pirâmide social.

Eu costumava ter uma resposta pronta. Uma que saía sem nem pensar, automática, e parecia corresponder às expectativas do interlocutor. 

Até que em agosto do ano passado, depois de experimentar uma vontade louca de mandar um chefe babaca à merda enquanto levantava o dedo médio das duas mãos em sua direção, resolvi que era hora de dar um cavalo de pau na minha trajetória profissional.

Troquei o cargo estável, o crachá conhecido e o roteiro previsível por um novo começo. O entusiasmo pelo novo capítulo —ou melhor, pela nova obra— não vem desacompanhado. 

Ele carrega consigo uma sensação incômoda de inadequação, da qual me lembro toda vez que hesito ao tentar responder aquela pergunta que invariavelmente aparece. É que o recomeço é por natureza tentativa e erro, experimentação. 

Ele não necessariamente tem forma definida, um nome, um cargo, um salário. Ele demanda passos para trás sem garantia de passos para frente.

E aí tem a coisa da idade: 40 é idade para ter chegado lá, para ter certezas ao invés de dúvidas, para aquietar o facho e não mexer em time que está ganhando porque a velhice está logo ali e não dá para marcar bobeira. 

E é na interseção da idade com a indefinição do recomeço que mora o embaraço diante de uma pergunta que sempre pareceu tão simples de responder.

A verdade é que não estou sozinha. 

Uma pesquisa realizada em 2024 pela Maturi, plataforma voltada para o mercado de trabalho 50+, e NOZ Inteligência, empresa de pesquisa e inteligência de negócios, revelou que 70% das mulheres entre 42 e 83 anos estão experimentando uma transição de carreira

Os dados mostram que a maioria das mulheres quer flexibilidade. Para muitas de nós, a escolha por mudar não nasce de um plano ousado, de uma decisão própria, mas de um encurralamento do mercado de trabalho que exige demais de quem já faz muito fora do horário do expediente. 

E aí a conta que não fecha entre quem somos e o que esperam que sejamos.

Recomeçar aos 40 é, portanto, um misto de privilégio e necessidade, medo e coragem, ambição e humildade. 

E enquanto não tenho uma resposta definida ou definitiva para a pergunta "o que você faz?", tento carregar o meu desconforto vestindo a camisa do orgulho de ser apenas uma mulher com a coragem de se reinventar.

JOANNA MOURA - publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda".

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