O álcool é um poderoso aliado da angústia, mas um
aliado nefasto
O sentimento ruim
continua, às vezes mais forte, às vezes mais ameno, e minha tarefa hoje é
aprender a lidar sóbria com ele
Quando eu era criança, a angústia tomava conta de
mim. Eu era uma menina de sete anos que tinha aflição da vida, e isso não é
pouca coisa.
Não sei dizer muito bem por que me sentia assim, mas a vida era
muito assustadora, só sei disso. E tenho nítidas recordações dessa agonia que
me assolava.
Tenho certeza de que esse sentimento tem ligação com meu alcoolismo.
Quando consegui
achar uma substância que me tirava do ar, foi libertador.
Claro que não comecei a beber na infância. À medida
que crescia, fui sendo apresentada àquele mundo de enganosa tranquilidade.
Lembro exatamente do momento em que virei o primeiro copo de pinga, no começo da adolescência.
O mundo ficou melhor
instantaneamente.
Eu nem desconfiava que mais tarde essa melhora
viraria meu inferno.
Durante muito tempo, a alegria infernal da bebida
ajudou a mitigar a angústia que me tomava.
Quando eu estava meio mal, não tinha
dúvida:apelava para meu remédio preferido, mais barato e aparentemente sem
contraindicação. (Eu não lia "beba com moderação", aquilo não passava
de um aviso de praxe colado na garrafa, sem a mínima importância.)
Não me dava conta de que eu nunca tinha limite.
Começava a beber por impulso, para sair da realidade, e não parava mais.
Algumas amigas me alertavam que eu disparava bebendo e perdia a noção da vida
ao redor.
Então o que começou lá atrás, de pequena, com um
desconforto, uma angústia, foi me levando a ser uma alcoólatra, tenho absoluta
certeza.
Mas claro que as coisas foram gradativas, nem sempre eu bebi demais.
Porém, aos poucos, o gosto e a dependência do álcool foram tomando conta do meu
cérebro e eu fui interiorizando que aquela substância parecia tornar tudo mais
agradável. Até que não teve mais graça.
Até que a angústia aumentou.
O álcool é um poderoso aliado da angústia.
Mas um aliado nefasto, que a faz crescer. E eu
tampouco sabia disso. Fui usando até que as ressacas começaram a me mostrar a
verdadeira face da bebida.
Não aprendi com meus dias seguintes, com minhas
catástrofes. Fui deixando tudo correr ladeira abaixo.
Não porque eu tenha
querido assim, mas porque eu sou alcoólatra.
Muita gente se culpa por beber demais e estragar as festas familiares e dos amigos. A
verdade é que são alcoólatras e não precisam se envergonhar, basta se tratar.
Falo isso porque já arruinei inúmeras festinhas familiares e tenho certeza de
que hoje isso ficou no passado.
Ninguém me entendia, não tinha um guia para sair do
inferno, mas, de repente, depois de uma internação, com muita angústia,
fui parar nos Alcoólicos Anônimos.
Minha vida mudou, meus hábitos mudaram, mas
a angústia continua. Às vezes mais forte, às vezes mais amena, e minha tarefa
agora é aprender a lidar com ela. Longe, muito longe do álcool.
Faço exercícios de respiração, converso com amigos.
Hoje sei lidar melhor com algo que me perturba desde pequena. Tive que passar
pelo álcool para aprender que o caminho não é por aí.
Sou uma mulher sensível, que se apavora fácil e tem
muitos medos. Mas todos eles podem ser solucionados em sobriedade, com muit
ALICE S. – blog Vida de Alcoólatra (o silêncio mortal da bebida)