Se
hibernar fosse fácil, estaria resolvido o dilema: salvamos as pessoas ou a
economia?
Na ficção científica, humanos atravessam longos períodos de
viagem guardados em casulos que mantêm seus corpos em temperaturas baixas o
suficiente para suspender o metabolismo.
Funcionando minimamente a uns 20ºC, bem abaixo dos 37ºC normais,
o corpo usa um nadinha de oxigênio, energia e nutrientes. A consciência se
dissolve; todos os processos de envelhecimento e danos ao corpo são
interrompidos.
Chegando ao destino, um sistema automatizado aquece os corpos e
os faz voltar ao estado animado, movido pelo sopro da respiração, a verdadeira
alma.
Ah, se fosse fácil assim hibernar sob encomenda. Estaria
resolvido o dilema planetário da vez: salvamos as pessoas ou salvamos a economia? A resposta seria um
miraculoso “os dois”. Em hibernação, não se adoece, tampouco se consome, porque
não se produz nada. Colocar a humanidade e sua economia na geladeira enquanto a
ciência busca uma solução para a pandemia seria
reviravolta digna de ficção científica.
Mas não. Hibernar é mais do que colocar pessoas na
geladeira: é a redução controlada do metabolismo, vinda de dentro do corpo, que
permite que a baixa temperatura não cause morte, mas, sim, mantenha a vida em
estado de suspensão temporária. Como?
Com o suporte do governo japonês, um consórcio de
pesquisadores de cinco centros de pesquisa usaram as ferramentas mais modernas
de manipulação genética e descobriram onde, no cérebro, está o botão que mantém
a homeotermia: numa parte do hipotálamo que controla a produção de calor pelo
uso da gordura do corpo. Desligando-o no frio, o corpo hiberna.
Homeotermia, portanto, é a capacidade de manter o corpo
a uma temperatura estável bem acima da média do ambiente (da maioria dos
pesquisadores, que mora em países temperados; ao redor do Equador o problema é
outro: perder calor).
Animais não precisam ser homeotermos, mas a “invenção” é
considerada um sucesso em aves e mamíferos, que lhes permite atividade mesmo no
frio, enquanto os outros animais estão suspensos.
Sei não. Acho que eu diria o contrário. Quando nos
tornamos homeotermos, assinamos um contrato com o diabo que nos obriga a manter
a atividade e a perder a flexibilidade de fazer pausas aqui e ali quando a
coisa fica feia. Acho que os japoneses estão chegando perto de descobrir como
fazer a nossa espécie hibernar para escapar a catástrofes.
Ah, que coisa boa um povo que investe em conhecimento...
Suzana
Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).
Fonte:
coluna jornal FSP