Alcoolismo não se trata apenas com fé
Nenhuma divindade
vai poder ajudar um alcoólatra se ele não estiver convencido a procurar ajuda
especializada
Ainda não tinha me curado da bebedeira quando Marta veio me acordar.
"Sai daí, Alice, olha onde você está dormindo." Era a despensa do bar
que sempre frequentávamos.
Eu conhecia os garçons e, depois de muita
insistência da minha parte, eles me deixaram entrar naquele quartinho. Não tive
dúvida, deitei ali mesmo.
"Você estava possuída, nem tem ideia do que
fez, não é?" Não tinha. Marta estava certa. Ela podia me contar qualquer
coisa que eu precisaria aceitar que, sim, tinha sido a protagonista de cada uma
delas. Apagão total.
Além
de tudo, minha mãe havia ligado 23 vezes. Vinte e três. As chamadas estavam lá,
registradas no celular. Era um pesadelo, eu queria sumir.
Marta resolveu me levar a uma casa onde havia um terreiro, não
sei dizer se era de umbanda ou candomblé. Todos vestiam branco e tentavam me
explicar que eu precisava de tratamento espiritual.
Marta me disse que algumas
pessoas dali acreditavam que eu atraía forças negativas quando bebia e isso me
deixava vulnerável. Só sei que chorei muito, estava muito assustada com minha
relação com o álcool.
Naquele dia fui dormir com uma rosa branca que me deram e tomei
chá conforme me aconselharam. Fiquei lembrando de quando meu pai, alcoólatra,
estava em uma situação parecida e resolveram chamar um pai de santo para ir à
nossa casa.
O que mais me intrigou foi que, entre outras exigências, o
babalorixá pediu um litro de pinga para a visita. Providenciaram tudo, não
lembro quais eram os outros pedidos.
O pai de santo incorporou um espírito e foi falando um monte de
coisa para todos os presentes.
Minha irmã não quis assistir, mas eu fiquei
acompanhando tudo com os olhos arregalados. Naquela época eu tinha uma síndrome
de pânico incontrolável e aquela visita me fez mal. Mas entendo que o desespero
fez minha mãe buscar ajuda em todas as frentes.
A filha de uma amiga minha, por exemplo, viu na Igreja
evangélica um suporte para a mãe alcoólatra. Minha amiga não entendia nada de
cultos e muito menos dos sermões do pastor, mas por um bom tempo ela frequentou
o templo, sempre em companhia da filha.
Ela não parou de beber e a filha ficou
desolada — ela pedia muito, fazia mil orações, e às vezes a mãe ficava meses
sem colocar um tico de álcool na boca. Mas chegava uma hora que não dava. O
corpo dela pedia.
Eu também procurei igrejas, senhoras que faziam mandingas, casas
espíritas e tantos outros apoios que nem lembro mais.
Acredito piamente em
todas as modalidades de fé, em todas as religiões. Mas elas em si não salvam um
alcoólatra, e não há desdouro nisso.
Alguns dias atrás recebi uma carta de uma senhora muito
revoltada com Deus porque os pedidos dela não estavam sendo atendidos.
Eu
entendo a raiva dela, mas infelizmente nenhuma divindade nem ninguém vai poder
ajudar um alcoólatra se ele mesmo não estiver firmemente convencido a procurar
ajuda especializada.
Encontrei um Deus maravilhoso que me acompanha na recuperação,
que me ajudou a redescobrir o valor da vida, mas antes tive que abdicar da
bebida e lutar muito para não recair.
Marta fica orgulhosa de mim, diz que sou muito corajosa. Acho
graça.
Tudo a seu tempo, com muita fé para combater o medo e muita
consciência para fazer as próprias escolhas. Amém.
ALICE S. – blog Vida de
Alcoólatra