A vida de nossas crianças e de nossos adolescentes não está
simples, tampouco fácil. São tantas as tentações às quais eles estão
submetidos, que fica difícil resistir. E está difícil principalmente porque a
formação crítica que eles precisariam ter a respeito da vida tem sido escassa.
Família e escola pouco têm investido nisso, talvez porque subestimem a
capacidade de reflexão dos mais novos.
Vamos considerar a convivência deles com os recursos que a
internet disponibiliza. Um passeio por blogs, portais com artigos opinativos
e/ou analíticos, reportagens, etc., logo mostra, nos comentários, a violência e
a agressividade com que as pessoas se manifestam, sejam elas jovens, sejam elas
adultas. Penso que a internet consegue arrancar o que há de pior em muitas pessoas.
Vou reunir alguns acontecimentos de crianças e adolescentes na
internet para ilustrar nossa conversa. Um jovem de 17 anos escreveu contando
que abrira uma conta no Twitter, mas que estava prestes a fechar porque
percebera que muita gente, inclusive ele, escreve coisas impulsivamente e
depois se arrepende, mas aí é tarde demais, porque o texto já se espalhou.
Recebi de uma pessoa conhecida um vídeo com o pedido de uma
análise. Eu fiquei tão chocada que logo apaguei, mas as imagens que vi não saem
de minha memória. Uma garota, de mais ou menos 12 anos, filmada de frente, faz
sexo oral com um menino com mais ou menos a mesma idade. Ao final, ela diz a
frase "Agora você", chamando outro garoto que, pelo jeito, está em
uma fila. Pelo som, dá para perceber muitas outras crianças por perto.
E, caro leitor: você tem ideia do cenário dessa filmagem? Uma
sala de aula de uma escola particular. Não é hora de aula: não há adulto na
sala, só crianças. Mas elas estão de uniforme, e as carteiras e a lousa são
mostradas.
Uma garota de 14 anos me escreveu desesperada, porque disse que
estava namorando e fez vídeos de momentos íntimos dela com o garoto. Agora, ela
quer romper o relacionamento e o garoto diz que, se ela o deixar, vai publicar
os vídeos no aplicativo de celular chamado Secret, que, por sinal, tem causado
muitos danos a essa criançada e aos adolescentes.
O que podemos fazer para colaborar com uma vida mais saudável
dessas crianças e dos jovens? Já temos provas de que aconselhar, mostrar os
perigos e regular o uso de determinados recursos tecnológicos têm tido poucos
resultados. Talvez devêssemos, então, investir mais intensamente na formação
deles.
Vejo constantemente depoimentos de adultos que dizem que
educação moral, ética, etc. é papel da família. Mas consideremos o contexto da
vida atual: a televisão educa, a internet educa, as peças publicitárias educam,
os valores sociais educam também. Mesmo que a família invista fortemente na
formação dos mais novos integrantes do grupo, eles estão sujeitos a muitas outras
influências.
Por isso, investir na formação do espírito crítico dos mais
novos talvez seja um bom caminho. Investir nas virtudes é outra boa
possibilidade. E isso é papel tanto da família quanto da escola.
Eles precisam saber que os meios de comunicação, que os modismos
seguidos por seus pares, que os valores sociais que eles seguem, e tudo o mais
podem (e devem) ser questionados. Mas questionados com ideias ancoradas no
conhecimento.
Precisamos reconhecer: o potencial de reflexão que eles têm é
alto. Só falta acreditarmos nisso.
Rosely Sayão – psicóloga, consultora em educação, é
colunista do jornal Folha de São Paulo, autora entre outros do livro “família: modos de usar”.
Fonte: jornal FSP