Inteligência ou burrice artificial?


Inteligência ou burrice artificial?

Se inteligência é a flexibilidade cognitiva que nos permite identificar os caminhos que mantêm mais portas abertas no futuro, algoritmos que nos ajudem são muito úteis.

Eu sei que “inteligência artificial” ainda soa como coisa de ficção científica, que envolve androides e máquinas que tomam decisões em lugar de humanos em um futuro ainda distante. 

Essa imagem mental deve ser muito útil às partes interessadas, porque não vejo grandes esforços em desfazê-la, quando a verdade é que, tirando a parte dos robôs semelhantes a humanos, que é desnecessária mas muito útil para manter o público ocupado olhando para o lado, a inteligência artificial já está aqui há um bom tempo.

Não acho ruim, muito pelo contrário. 

Se inteligência é a flexibilidade cognitiva que nos permite, entre outras coisas, identificar e optar pelos caminhos que mantêm mais portas abertas no futuro, então algoritmos que nos ajudem no processo ou automaticamente ofereçam as melhores opções são muito úteis.

Navegadores, por exemplo, são legítimos calculadores inteligentes de rotas: consideram os pontos de partida e destino, as rotas alternativas, as prioridades do usuário (mais rápido? Sem estradas? Menos semáforos?) e retornam a escolha optimizada enquanto você usa os seus próprios neurônios para resolver outros problemas.

Nesta categoria de algoritmos que de fato promovem boas alternativas, pesquisadores do laboratório de inteligência artificial da Uber recentemente descobriram que a adição de dois princípios simples aos seus programas de aprendizado não supervisionado faz toda a diferença. 

No artigo publicado na revista Nature em fim de fevereiro, a equipe relata como incluir nos algoritmos a manutenção em memória de soluções parciais anteriores e a exploração de novas possibilidades a partir de um retorno a essas soluções parciais dota os programas de desempenho melhor do que humanos em jogos do universo Atari, que se tornaram um dos marcos de sucesso para tais algoritmos de aprendizado.

E conforme se aprende o que é preciso para criar programas de fato inteligentes, isto é, capazes de explorar possibilidades e maximizá-las, aprendemos nós também o que é importante para maximizar nosso próprio sucesso —no caso, usar o que já funcionou no passado como novos pontos de partida para exploração.

O que é completamente diferente da burrice artificial que se espalhou pelas mídias sociais e demais aplicativos que “aprendem” o que o usuário gosta para então oferecerem... mais do mesmo. 

As oportunidades que o mundo conectado oferece são extraordinárias demais para um usuário se deixar emburrecer por programas que só fazem restringir e limitar seus horizontes e perspectivas.

Suzana Herculano-Houzel – bióloga e neurocientista na Universidade Vanderbilt (EUS)


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