As
inventadas por Otto, Cony e Millôr mereciam ser verdade.
Da esq. para a dir., Carlos Heitor Cony, Otto Lara
Resende e Millôr Fernandes –
Em novembro de 1955, depois do “golpe preventivo” do
então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, para garantir a posse
de Juscelino Kubitschek na Presidência, Otto Lara Resende foi entrevistar Lott para a
revista Manchete. Mas o general era ruim de verbo e não estava sabendo contar a
história. Daí, Otto, com as informações que apurara, escreveu-a ele próprio
como se fosse Lott falando. Lott não se queixou. Ao contrário, adorou. E até
passou à história como autor de uma expressão que Otto pusera na sua boca: a do
“retorno aos quadros constitucionais vigentes” —querendo dizer que a
Constituição era intocável.
Vinte anos depois, em 1975, Carlos Heitor Cony, repórter da mesma Manchete, foi
entrevistar o famoso falsário Walmir Vieira Azevedo, autor de grandes golpes em
São Paulo. Mas, ao lhe ser apresentado na delegacia, Walmir não quis falar.
Cony não se apertou. Inventou tudo e ocupou quatro páginas da revista com a
genial “Entrevista de mentira com um falsário de verdade” —sem deixar o
leitor saber se o texto era a sério ou não.
Nos anos 60, Millôr Fernandes escreveu uma peça de teatro
sobre o bairro boêmio da Lapa. Numa passagem, o valentão Madame Satã enfrenta a
polícia de Getulio Vargas. Bate em 20 soldados e só é levado preso porque o
subjugam e amarram a um burro-sem-rabo, do qual sai de cena em triunfo. Essa
história nunca aconteceu e a peça não foi encenada. Mas Satã ficou sabendo da
passagem e gostou. Anos depois, o Pasquim entrevistou Satã e ele a contou como
se fosse verdade. Um dos entrevistadores era o próprio Millôr —que não o
desmentiu, para não desapontá-lo. Afinal, Satã acreditava mesmo que tinha
batido na polícia.
Essa é a diferença. As fake news inventadas por Otto,
Cony e Millôr mereciam ser verdade.
As de hoje fedem à distância e só acredita
nelas quem, além do olfato, perdeu a visão.
Ruy
Castro - jornalista e escritor, autor das
biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues
Fonte:
coluna jornal FSP