Machismo afasta mulheres do mundo da tecnologia


Elissa Shevinsky assistia em seu laptop e no iPhone à transmissão ao vivo da maratona hacker TechCrunch Disrupt, em 8 de setembro do ano passado. Empreendedores exibiam seus produtos, e dois jovens australianos, David Boulton e Jethro Batts, ficaram de pé para fazer sua apresentação.

"O Titstare é um aplicativo em que você tira fotos de si mesmo olhando tetas", começou Boulton.

Shevinsky, 35, não foi a única a ficar incomodada com a apresentação. O Twitter ficou em polvorosa. Ela embarcou e escreveu em um blog: "Achei que não precisávamos de mais mulheres na tecnologia. Eu estava errada".

No dia seguinte, Pax Dickinson, sócio dela na start-up Glimpse Labs e diretor de tecnologia do site Business Insider, defendeu os criadores do Titstare.

"Não é misoginia contar uma piada machista, nem o fato de não levar uma mulher a sério, nem gostar de seios", escreveu ele.

Shevinsky se sentiu levada ao limite. Mulheres que entram em áreas dominadas por homens costumam se sentir assim. Querem fazer o trabalho e se adequar, mas aí acontece algo que faz com que elas se sintam marginalizadas.

Hoje, quando tantas barreiras já caíram para as mulheres, o mais inovador setor da economia continua para trás em suas atitudes sexuais: 56% das suas profissionais saem antes da metade da carreira, o dobro do índice para os homens, segundo a Escola de Administração de Harvard.

A culpa, segundo muitas pessoas da área, é de uma cultura sexista, que pode levar mulheres e pessoas fora dos padrões a se sentirem indesejadas.

"É como mil pequenos cortes com papel", diz Ashe Dryden, atualmente consultora para diversidade em tecnologia, ao descrever o trabalho nessa área.

"Fui assediada, pessoas me fizeram comentários sugestivos. Recebi ameaças de estupro e morte apenas por falar sobre isso."

Shevinsky também teve seus dissabores. Dias depois do tuíte de Dickinson, ela deixou a Glimpse. "Só queria trabalhar, programar e fazer softwares, mas o Titstare me mostrou que era inviável."

O Business Insider obrigou Dickinson a se demitir. Os empreendedores australianos e a TechCrunch pediram desculpas.

"Vemos essas matérias, 'Por que não há mais mulheres na engenharia e ciência da computação?', e vêm todas aquelas respostas complicadas", disse Lauren Weinstein, um homem que passou 40 anos no setor, trabalhando principalmente com homens.

"Mas acho que há uma razão mais simples: esses caras são simplesmente uns imbecis, e as mulheres sabem disso."

As start-ups são um terreno fértil para o machismo. O limite entre trabalho e vida social costuma ser tênue, e os criadores e os primeiros empregados das empresas geralmente são amigos.

O resultado pode ser um ambiente sem regras, disse Julie Ann Horvath, designer e desenvolvedora de software. Em março, ela pediu demissão de forma pública do site de programação GitHub, apontando uma cultura de intimidação contra as mulheres.

A ciência da computação nem sempre foi dominada por homens. "No começo, a palavra 'computadores' queria dizer 'mulheres'", diz Ruth Oldenziel, professora da Universidade de Tecnologia de Eindhoven, na Holanda, que estuda história, gênero e tecnologia.

Seis mulheres programaram um dos mais famosos computadores da história, o Eniac, para o Exército dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

Mas, segundo Oldenziel, as mulheres deixaram a carreira à medida que essa área ganhou prestígio. Em 2012, apenas 18% dos pós-graduados em ciências da computação eram mulheres, contra 37% em 1985, segundo o Centro Nacional para as Mulheres e a Tecnologia da Informação.

No entanto, "as mulheres são cada vez mais consumidoras; elas não vão gostar de produtos que não funcionem para elas", disse Londa Schiebinger, da Universidade de Stanford, na Califórnia.

E as principais empresas de tecnologia dizem que recrutar mulheres é uma prioridade por causa do crescente número de vagas disponíveis no setor.

Depois que Shevinsky saiu da Glimpse, Dickinson fez da sua volta uma missão. Meses atrás, ele publicou em um blog de tecnologia um pedido de desculpas.

Shevinsky voltou à Glimpse. Seu título é o de "chefona" - que, segundo ela, passa a ideia de haver mulheres no comando. Três das seis pessoas que trabalham na empresa são mulheres, assim como dois dos três membros do conselho de gestão.

Mas Shevinsky decidiu trabalhar novamente com Dickinson em parte porque diz acreditar em outro timpo de diversidade: a de pensamento. "É perigosíssimo para nós, enquanto comunidade", afirmou ela, "dizer que só trabalharemos com pessoas que partilham das nossas crenças".

Claire Cain Miller – jornalista do New York Times, cobre a área do Google, e-commerce, start-ups e as maneiras em que a tecnologia muda a forma em que vivemos.

Fonte: suplemento NYT do jornal Folha de São Paulo

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