A
imprensa saiu da ditadura sem um projeto em matéria de transparência,
diversidade e expansão. Seu papel no golpe militar de 1964 e sua vacilante
atuação nos 21 anos seguintes demandariam um projeto institucional capaz de
compensar o pífio desempenho anterior.
A
criação da função de ombudsman/ouvidor pela Folha de S.Paulo em 1989, há
25 anos, foi o avanço mais expressivo da imprensa desde a redemocratização do
país. Mesmo isolado, sem parceiros na grande imprensa e apenas um no jornalismo
regional (O Povo, do Ceará).
O
corajoso título da crítica publicada no domingo (31/8, “Por que a Folha não assume?”),
escolhido pela titular da coluna da Folha, Vera Magalhães Martins,
resume com apenas seis palavras e um incisivo ponto de interrogação a
importância desse avanço. A pergunta, obviamente dirigida ao jornal que a
mantém como defensora do leitor, pode ser facilmente estendida à mídia
informativa brasileira.
Destaque
furado
É a
pergunta do ano, considerando a velocidade, os prazos e a guinada ocorrida no
processo eleitoral com a morte de Eduardo Campos. Por que a mídia não assume
formalmente a sua preferência por um candidato/candidata às eleições
presidenciais? Com um leque de opções tão diferenciado, por que omitir a
preferência, como o fazem há tanto tempo tantos jornais americanos e europeus?
Porventura
não confiam os jornais brasileiros na sua capacidade de separar a opinião
institucional da cobertura noticiosa cotidiana? Temem escancarar os critérios
de escolha dos seus colunistas, articulistas, opinionistas e até mesmo
editores? Vera Magalhães discorre sobre o tema com extraordinário
distanciamento e elegância.
O
problema, porém, não é a capacidade do profissional brasileiro de comportar-se
de forma apartidária, politicamente isenta. A questão é que tantos anos de
centralismo e voluntarismo no processo decisório no interior dos veículos de
informação deformaram a própria noção de equidistância. Grandes veículos ainda
acreditam que a simples distribuição de críticas a partidos & candidatos é
suficiente para comprovar sua independência. Não é: acusações precisam ser
fundamentadas, pertinentes.
A
socialização do denuncismo não é prova de isenção, é a sua caricatura.
A
manchete da primeira página da própria Folha na edição de domingo (31/8,
“Marina fatura R$ 1,6 milhão com palestras em três anos”) comprova essa
distorção. Depois de alguns dias de vibração com o resultado das intenções de
voto pró-Marina em diferentes sondagens, o jornal sapeca uma manchete
evidentemente forçada: até maio, ainda não confirmada como candidata, sem
mandato nem cargo, é legítimo e legal que uma figura celebrada
internacionalmente seja paga para pronunciar conferências. Lula, FHC, Bill
Clinton, Mikhail Gorbachev, Felipe Gonzalez, Joaquim Barbosa recebem cachês
ainda maiores (e certamente Barack Obama, depois de 2016).
As
informações da matéria invalidam o destaque a ela concedido: Marina ganhou em
média 44 mil reais brutos por mês e o fato desta quantia representar mais do
que o dobro de seus vencimentos como senadora não constitui ilícito, infração,
malfeitoria nem configura conflito de interesses.
No
ponto
Se
tivesse escolhido um candidato para apoiar, o jornal não necessitaria apelar
para esse malabarismo para com ele exibir sua tosca isenção. A
ouvidora/ombudsman Vera Magalhães Martins foi direta ao ponto. Os antecessores
em cujos mandatos ocorreram eleições para a chefia do governo certamente
fizeram o mesmo questionamento.
A
concisão da sua pergunta ou a atual crise de credibilidade da imprensa talvez a
tenham convertido em tão contundente cobrança.
Alberto Dines – jornalista, escritor,
dirigiu e lançou diversas revistas e jornais no Brasil e em Portugal, foi
editor –chefe do Jornal do Brasil, criou o site Observatório da Imprensa, é
pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da
Unicamp.
Fonte: site Observatório da Imprensa