Estudo vê elo entre clima e pandemias que destroçaram os romanos


Estudo vê elo entre clima e pandemias que destroçaram os romanos

Doenças que mataram milhões a partir de 150 d.C. surgiram com clima frio e seco.

Algumas das principais crises que afetaram o Império Romano, incluindo grandes epidemias, invasões e fases prolongadas de instabilidade política, estão ligadas a períodos de clima desfavorável na Itália, o coração do território imperial. 

A conclusão vem de uma nova análise de sedimentos do fundo do mar, os quais permitiram montar um retrato detalhado das variações climáticas presentes durante o auge e o declínio de Roma.

trabalho acaba de sair na revista especializada Science Advances e se soma a uma série de indícios de que os vaivéns do clima e sua associação com antigas pandemias podem ter desempenhado um papel importante nos processos que acabaram levando à decadência do Império Romano.

Os novos dados, que foram analisados por especialistas europeus e americanos, são uma contribuição importante para o debate porque trazem os primeiros registros climáticos considerados de alta resolução temporal –no caso, com uma margem de erro de apenas três anos– para a época imperial romana na maior parte da Itália.

"Todo registro paleoclimático [ou seja, do clima do passado] é um pedaço do quebra-cabeças", ressaltou à Folha um dos autores do estudo, o historiador Kyle Harper, da Universidade de Oklahoma e do Instituto Santa Fé (ambos nos EUA). 

"Há alguma correlação [dos dados italianos] com outras regiões do império, mas certamente encorajamos outros pesquisadores a considerar os nossos registros à luz dos obtidos em outros lugares."

No trabalho, que foi coordenado por Karin Zonneveld, do Centro de Ciências Ambientais Marinhas da Universidade de Bremen (Alemanha), a equipe obteve sedimentos do leito do mar Mediterrâneo na região de Tarento (região sul da Itália, no que seria a parte superior da "bota" formada pelo mapa do país).

A chave do método usado pelo equipe são os dinoflagelados, algas de uma só célula que podem ser comparadas a termômetros biológicos. 

Elas são extremamente sensíveis a variações de temperatura e composição de nutrientes da água, de modo que as espécies de dinoflagelados no ambiente muda conforme essas condições se alteram, em geral numa escala de ano para ano.

Isso significa que é possível usar as alterações dos tipos de dinoflagelados nos sedimentos do fundo do mar para montar uma linha do tempo das alterações climáticas, desde que seja possível datar com precisão essas idas e vindas.

Foi o que os pesquisadores fizeram, com resultados intrigantes. 

Primeiro, eles verificaram que o período que vai da transformação de Roma em superpotência do Mediterrâneo (por volta do ano 200 a.C.) até o fim da segunda dinastia de imperadores (100 d.C.) é marcado por temperaturas relativamente altas e estáveis, com chuvas abundantes.

Isso bate com a hipótese de que esses séculos corresponderiam ao que alguns estudiosos chamam de Ponto Ótimo Climático Romano ou Período Quente Romano, com excelentes condições para a agricultura na Itália.

A coisa, porém, muda de figura depois de 100 d.C., com várias fases de frio e relativa aridez até 275 d.C., além de muito mais variabilidade entre um ano e outro. 

Depois disso, as coisas parecem melhorar um pouco, até desandar de vez a partir de 537 d.C., com quedas abruptas e intensas da temperatura e da umidade (da ordem de 3 graus Celsius, em média) até o fim do século.

Há algumas coincidências um bocado interessantes nessa lista. 

As mais fortes são com três grandes pandemias que devastaram o mundo romano. A Peste Antonina aconteceu durante um pulso de frio entre os anos 160 d.C. e 180 d.C., depois de várias décadas de uma tendência ao frio e à aridez.

Já a Peste de Cipriano, iniciada no ano 251, coincide com uma segunda fase de resfriamento intenso após um período de aquecimento. Por fim, a Peste de Justiniano começa no ano 541 da Era Cristã, de novo quando as temperaturas despencam. 

Nesse caso, já não havia mais o Império Romano do Ocidente, mas ainda existia o Império Romano do Oriente, sediado em Constantinopla (atual Istambul).

Apenas no caso da Peste de Justiniano se conhece com certeza o causador da pandemia (a bactéria da peste bubônica). Os pesquisadores ressaltam que não é possível atribuir diretamente a origem das doenças mortais às alterações climáticas. 

Mas faz sentido imaginar que o clima inclemente teve efeitos como a piora das colheitas e o avanço da fome para a maioria da população do Império Romano, fazendo com que as pandemias, quando chegaram, fossem mais devastadoras.

Além disso, mesmo sem doenças, o cenário tinha potencial para acirrar conflitos e rebeliões, como a chamada Crise do Terceiro Século (o século 3º d.C.), quando dezenas de imperadores subiram ao trono e foram derrubados ao longo de poucas décadas.

REINALDO JOSÉ LOPES - repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros.

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