Cientista Jade de Oliveira observa como o que você
come afeta o seu cérebro e demências
Pesquisadora da
UFRGS, premiada pelo Para Mulheres na Ciência, concentra seus estudos na
relação entre a micróglia e os neurônios
A cabeça decide o que se come, e o que é comido
afeta nossa cabeça. Essa é a lógica estudada por Jade de Oliveira, 37,
que tenta desvendar como dietas desbalanceadas impactam o cérebro, olhando mais
atentamente para demências.
A pesquisadora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), onde também leciona, é 1
dos 10 cientistas escolhidos para fazer parte da série Folha Descobertas, iniciativa da Folha em parceria com o
Hospital Israelita Albert Einstein.
Antes que se tirem conclusões apressadas, vale
deixar claro que os estudos desenvolvidos por ela são feitos em modelos
animais, mais especificamente camundongos, ou seja, não estamos falando de
resultados diretamente aplicáveis a humanos.
Os
roedores recebem uma ração produzida para ser desbalanceada, rica em gorduras e
açúcar, por exemplo.
O impacto da barriga cheia —da pior maneira possível— é
então estudado pelos cientistas, especialmente durante a vida adulta e
meia-idade dos camundongos.
"Nós
e outros pesquisadores ao redor do mundo começamos a perceber que esses animais
apresentavam características de doenças do sistema nervoso central", diz a
cientista, que acrescenta que esse modelo de estudo era adotado anteriormente
só para pesquisa de doenças cardiovasculares.
"Então, você consegue
avaliar que eles [os camundongos] têm prejuízos de memória. Fazemos testes
comportamentais, e eles têm fenótipo depressivo.
E isso vai corroborando com
dados que foram surgindo de estudos epidemiológicos."
Segundo Oliveira, nos anos 2000, a pesquisadora
Miia Kivipelto já havia observado que indivíduos expostos a fatores de risco
cardiovascular ao longo da vida adulta apresentavam um risco maior de
desenvolver demência quando idosos.
Como os camundongos têm um tempo de vida
consideravelmente menor do que o de humanos, é possível observar com maior
velocidade o desenrolar dos acontecimentos.
"Eles nos permitem avaliar os
mecanismos que estão relacionados, avaliar as células do sistema nervoso
cerebral isoladas", diz a pesquisadora.
Um dos mecanismos citados por Oliveira é a barreira
hematoencefálica, que protege neurônios do que corre em nosso sangue, afinal,
não é interessante que tudo que está na corrente sanguínea tenha contato com as
células presentes no nosso cérebro.
Os pesquisadores olham então para a
permeabilidade dessa barreira.
"A gente propõe que toda essa inflamação
periférica causada por uma dieta ruim, por uma doença metabólica,
altera essa barreira hematoencefálica.
Seria um dos mecanismos que deixam os
neurônios mais suscetíveis e também a micróglia, que vai estar ali. Já vimos
que, numa situação de doença metabólica, essa célula chega a estar mais
presente nessa barreira hematoencefálica, e provavelmente está
disfuncional."
No parágrafo anterior talvez você tenha acabado de
ser apresentado para a micróglia. Ela é uma célula responsável pela inflamação
do sistema nervoso central, ou seja, é basicamente uma defesa, faz parte do
sistema imune dos neurônios.
"Sempre achamos que no cérebro tem só o
neurônio", diz Oliveira, que, em seguida, cita os astrócitos —que dão
suporte ao neurônio— e as micróglias como elementos importantes na nossa
cabeça.
Quando a micróglia fica sobrecarregada, por um
longo tempo, no seu serviço é que o problema se instala, afirma a pesquisadora
da UFRGS.
"Ela vai ficando disfuncional e perde o compasso." Com
isso, em vez de proteger o neurônio, ela acaba liberando moléculas que são
ruins para ele.
Dessa
forma, a disfunção na micróglia poderia causar alterações no ambiente neuronal
e, consequentemente, disfunção de sinapses, de neurônios e morte neuronal.
"Em
uma placa, temos as micróglias e expomos essas células ao colesterol elevado.
Estudamos como estão os genes que ela expressa, como estão as proteínas.
A
gente pega o que ela produz e aí expõe os neurônios, in vitro,
a isso", diz a cientista.
A
luta de Oliveira é, resumidamente, entender a relação da micróglia com o
neurônio em situações de desequilíbrio de dietas e doenças do metabolismo.
Você
e, consequentemente, seu cérebro são o que você come
Até
o momento se sabe que as dietas não saudáveis levam a prejuízos de memória e
alteram a cognição, diz a cientista. Os impactos no cérebro também podem ser
traduzidos em transtornos de humor, como depressão e ansiedade.
Mas
do que estamos falando exatamente quando pensamos em dietas ruins?
Assim
como a ração dos camundongos, dietas ricas em gorduras e açúcares não são lá
muito saudáveis. Segundo a pesquisadora, também entram na equação os chamados
ultraprocessados.
"São
alimentos ricos em gorduras saturadas, nos carboidratos refinados, e pobres em
fibra. E que acabam sendo mais palatáveis, acabam sendo mais fáceis de
adquirir, mais fáceis de preparar", diz a cientista.
Isso
tudo não significa, porém, que comer uma batata frita vá prejudicar sua cabeça.
"Não
é um X, como a gente fala aqui no Sul, que você vai comer hoje à noite que vai
fazer você amanhã ter um prejuízo de memória. É algo que vai acontecendo de
maneira silenciosa ao longo de toda a vida."
JADER DE OLIVEIRA – médica, neurocientista UFRGS