Onde personalidades como Lênin e Trótski ou Hitler
e Mussolini se viram pela primeira vez?
da minha parte, foi um atraso de mais de 20 anos.
Somente agora, passeando pelas prateleiras antigas da livraria do bairro, a
Torre de Papel, que me deparei com o livro "Primeiros Encontros", do
casal Nancy (textos) e Edward Sorel (ilustrador), editora José Olympio, de
1995.
Além de ilustrações debochadas, o texto inspirado e
o tema histórico (como celebridades das artes, política, ciência se
conheceram), atraíram minha atenção também os locais onde ocorreram os
encontros, confirmando minha convicção de que certas cidades são fadadas a certos
acontecimentos. No livro, as exceções confirmavam a regra.
O primeiro encontro entre os revolucionários russos
Lênin e Trótski poderia ter sido na Rússia, claro. Mas eles só vieram a se
encontrar no exílio, em Londres. Chamado por Lênin, que queria conhecer o jovem
que escrevera textos brilhantes na prisão, Trótski apareceu em 1902 no modesto
apartamento do líder ainda na madrugada, e foi cumprimentá-lo na cama. Situação
difícil de imaginar na Rússia até hoje puritana, mas que em Londres só terá causado
surpresa porque ali só rolou conversa, nada de sexo.
O compositor Giacomo Puccini foi assediado
(artisticamente) pelo jovem tenor Enrico Caruso em 1897, em sua casa na Toscana
(onde mais, senão na capital mundial da arte?). Dorothy Parker incomodou (não
era seu ofício, além de escrever?) Dashiel Hammet (o criador do detetive Sam
Spade) pela primeira vez em Nova York –onde mais poderia ser?
Londres, a cidade mais cosmopolita do mundo, seria
por isso mesmo cenário de encontros de migrantes e passantes de toda ordem. Foi
onde o tímido escocês Alexander Fleming encontrou por 1950 sua fã Marlene
Dietrich que, tendo passado um período confortando tropas americanas na guerra
e vendo a penicilina salvar tantas vidas, tornara-se fã do cientista.
Papel parecido, o de produzir estes entroncamentos
de vários mundos, ao representado por Paris –onde é lógico que se conheceram
Sartre e Simone de Beauvoir: no dormitório dele na Sorbonne, mas que também foi
cenário do primeiro encontro, em 1920, do irlandês James Joyce com o
norte-americano naturalizado inglês T. S. Eliot, graças a uma artimanha bizarra
de Ezra Pound –todos escritores.
O cineasta Fritz Lang conheceu o sinistro Joseph
Goebbels em Berlim. Foi o último dia do artista na cidade, pois, quando o
nazista tentou convencê-lo a trabalhar para o Reich, ele na mesma noite fugiu
para Paris, em 1933.
E foi em San Francisco, em 1941, que Orson Welles
encontrou pela primeira vez, e a sós num elevador, William Randolph Hearst, o
magnata das comunicações que inspirou (para ódio deste) o personagem título de
"Cidadão Kane" –um encontro tenso na cidade que fica ao norte de onde
Hearst/Kane construiu seu castelo perdulário e cafona, no filme apelidado
Xanadu.
Injustiçada foi a cidade de Pádua, sede da mais antiga
universidade do Ocidente, cátedra de Galileu Galilei, que hospedou o primeiro
encontro dos obscurantistas Hitler e Mussolini. Inexplicável foi que o encontro
de Freud e Mahler, no lugar de em Viena, tenha acontecido em Leyden, na
Holanda.
Curioso que Chaplin e Jean Cocteau tenham se
conhecido num navio no mar Asiático; e que Conan Doyle e Houdini, que
compartilhavam crenças espiritualistas, tenham se visto em Portsmouth, na
Inglaterra. Como foram o primeiro encontro de Sarah Bernhardt e Thomas Edison,
de Chopin e George Sand, de Stálin e Churchill, de Pascal e Descartes, de Byron
e Shelley, de Rolls e Royce, entre outros? Só lendo o livro
Josimar Melo - crítico gastronômico, autor do 'Guia Josimar' de
restaurantes, bares e serviços de SP.
Fonte: coluna jornal FSP