Neurociência acreditava que as dobras cerebrais fossem uma
forma de aumentar o número de neurônios
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Tal qual uma toalha de banho socada dentro de um cesto de roupa
suja pequeno, a superfície do cérebro humano é cheia de dobras: são as
circunvoluções do córtex cerebral, inexistentes em cérebros pequenos como de
camundongos, mas óbvias em cérebros grandes, como o nosso.
Por décadas a neurociência supôs que as dobras fossem uma
maneira de aumentar a quantidade de superfície cortical e portanto de neurônios
que cabem no córtex. Quanto mais dobrada a superfície do córtex, mais neurônios
deveriam caber ali. E assim perpetuava-se um dos paradoxos sobre o cérebro
humano: se baleias possuem um córtex ainda mais dobrado do que o nosso, como se
explica que sejamos nós a estudá-las, e não vice-versa?
Eu e o físico Bruno Mota, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, mostramos no ano passado, em um artigo na revista "Science",
que a quantidade de dobras do córtex entre espécies diferentes não é uma função
do número de neurônios no córtex e sim física pura, dependendo da combinação da
área total da superfície do córtex e da sua espessura. Folhas de papel
amassadas à mão replicam o fenômeno. Amasse uma única folha A4 e a superfície
que passa a ficar escondida no interior da bola é grande; amasse uma pilha de 4
folhas do mesmo papel, e o resultado será uma bola maior –porque menos dobrada.
O quanto um córtex é dobrado, portanto, não é consequência de
quantos neurônios há no córtex: é só física, dependendo das forças aplicadas à
superfície. O córtex humano, em particular, é apenas tão dobrado quanto
esperado para sua superfície e espessura. As leis da física também se aplicam à
nossa espécie.
Um novo estudo publicado na revista "PNAS" por Bruno
Mota e seus colaboradores no Reino Unido mostra que as leis da física também se
aplicam entre indivíduos. Segundo o estudo, se o córtex cerebral feminino
parece menos dobrado, é só porque ele cobre uma área um pouco menor do que o
córtex masculino –o que em princípio não diz nada sobre o número de neurônios
deles e delas.
Com o envelhecimento normal, contudo, a relação entre a
superfície total do córtex e a superfície exposta no topo das dobras diminui.
No Alzheimer também –e mesmo os cérebros mais jovens com a
doença parecem idosos, por esse critério. O que muda, quem diria, parece ser a
física do cérebro. Agora o negócio é
entender como...
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do
livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com