A proposta de reforma da Previdência Social quer
permitir que as entidades de previdência aberta, como seguradoras privadas,
possam disputar com os fundos de pensão a administração de planos de
previdência complementar dos municípios brasileiros com regimes próprios de
aposentadoria para seus servidores públicos.
A abertura desse mercado, contudo, já conta com a
resistência das entidades fechadas ou fundos de pensão, de natureza pública. A
Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar
(Abrapp) reclama da concorrência “desleal” e pede ao relator da PEC 287 na
Câmara, deputado Arthur Maia (PPSBA), mudanças.
A alegação da Abrapp é que a previdência
complementar oferecida por entidades abertas tem um modelo de tributação mais
favorecido. Além disso, defende que, da forma como foi enviada, a proposta é
inconstitucional. “Não temos problema com a concorrência, mas hoje o segmento
aberto tem incentivos tributários que o fechado não tem. É uma concorrência
desequilibrada”, diz o presidente associação, Luís Ricardo Martins. Ele dá como
exemplo o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), um dos produtos oferecidos
por entidades abertas, em que o Imposto de Renda incide apenas sobre os
rendimentos obtidos e não sobre o valor total acumulado.
Na avaliação de Martins, é preciso haver uma
harmonização das regras tributárias para garantir equilíbrio na disputa.
Procurada, a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) não
respondeu até o fechamento desta edição.
O relator da reforma afirmou ser favorável a
abertura para planos abertos e diz que o importante é garantir que o
trabalhador receberá o recurso ao final da sua vida laboral. “Se quem vai pagar
é um banco, a Câmara ou o Ministério da Fazenda, pouco importa. O que ele quer
é segurança de que vai receber”, disse. Maia cita o exemplo de um município
vizinho ao que ele foi prefeito na Bahia e que instituiu regime próprio de
previdência, mas o prefeito pegou o dinheiro depositado pelos servidores.
Por enquanto, o relator só pretende modificar um
aspecto da proposta: deixar explícito na PEC que a escolha do gestor ocorrerá
por licitação. Encaminhada em dezembro ao Congresso Nacional, a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 287/2016 obriga os Estados e municípios com regimes
próprios de previdência a instituírem em dois anos, a partir da promulgação,
fundos de previdência complementar.
Ao mesmo tempo, para reduzir custos na
administração e estimular a concorrência, o governo permitirá que entidades de
previdência aberta atuem nesse mercado.
O elevado déficit na previdência dos Estados está
comprometendo uma fatia cada vez maior do orçamento público, assim como
acontece no governo federal. Os municípios ainda registram superávit. Mas para
impedir uma piora gradual das contas de todos os entes, o Executivo pretende
fazer mudanças na previdência para torná-la viável no médio e longos prazos.
Com a PEC, o teto de aposentadoria do servidor
público passa ser o mesmo do INSS, atualmente de R$ 5.531,31, e quem quiser
receber um valor superior terá que fazer uma previdência complementar, assim
como já é praticado para os servidores que entraram do governo federal a partir
de 2013.
Mesmo capitais, como São Paulo e Belo Horizonte,
postergaram essa decisão, que causa desgaste político. Na capital paulista, o
ex-prefeito Fernando Haddad (PT) ensaiou criar um fundo complementar próprio, o
Sampaprev, em 2015. A previdência municipal está com déficit financeiro de R$
84,4 bilhões e conta com apenas 1,8 servidor ativo para cada beneficiário.
Mas a proposta enfrentou resistência do
funcionalismo, insatisfeito com a aplicação o teto do INSS, e de vereadores. O
petista retirou o projeto de tramitação às vésperas da eleição municipal e
tornou a mandar o texto apenas nos últimos dias da gestão, dia 16 de dezembro. Caberá,
agora, à gestão João Doria (PSDB) avaliar se apoia o projeto ou adere a um
fundo já existente. Em nota, o Instituto de Previdência Municipal de São Paulo
(Iprem) afirmou que ainda está analisando o cenário da reforma.
O presidente do Instituto de Previdência dos
Servidores Municipais (IPSM) de Goiânia, Silvio Fernandes, defende a reforma,
mas diz que também há forte resistência dos sindicatos na cidade contra a
limitação no valor do benefício. As 100 maiores aposentadorias de Goiânia
correspondem em média a R$ 35 mil. Além disso, segundo ele, o instituto tem que
conviver com o fato de que a prefeitura não faz os repasses para pagamento das
aposentadorias, o que vem contribuindo para a deterioração do regime próprio de
previdência. “Não vejo dificuldade de ir para o mercado. A dificuldade que vejo
é a trava ideológica”, frisou.
Em Belo Horizonte, a prefeitura planeja repassar a
gestão para outro órgão. O secretário de gestão previdenciária, Gleison Pereira
de Souza, solicitou estudo para comprovar que não há condições de criar um
fundo próprio e que ficará pronto em um mês. A média dos benefícios dos
inativos e pensionistas é R$ 4,2 mil, abaixo do teto do INSS. O fundo
financeiro, que hoje paga 25 mil aposentadorias e pensões, tem déficit de R$
360 milhões.
A cidade já foi procurada por representantes de
fundos complementares fechados e aguarda manifestações de bancos e seguradoras
com planos que se adaptem melhor aos servidores públicos que aderirão em
bloco e, portanto, esperam propostas atraentes com taxas reduzidas, boa
segurança e retorno dos investimentos. “A considerar o tamanho da prefeitura,
esperamos que seja oferecido um produto diferenciado”, afirmou Souza.
O presidente da Associação Nacional de Entidades de
Previdência dos Estados e Municípios (Aneprem), Herickson Rangel, considerou a
PEC “assertiva” ao deixar com o ente público a escolha da melhor oferta. O
interesse por empresa aberta de previdência, disse, dependerá da especificação
do serviço que o gestor previdenciário definir, pois esse pode preferir
realizar a previdência complementar somente com instituições públicas.
Segundo a Secretaria de Previdência Social, do
total de 5.566 municípios, 2.024 tem regime próprio de previdência. Nos outros
3.412, os servidores contribuem e recebem pelo INSS. Todos os Estados têm
regime próprio de previdência.
Fonte: Valor Econômico