A delação premiada é recurso
legítimo para apressar o processo penal. Pressupõe o respeito a algumas
exigências, a principal é o sigilo absoluto. A divulgação do teor das
confissões põe em risco a vida do próprio acusado ou de seus cúmplices,
facilita a destruição de provas e estimula a fuga dos delatados. Desrespeitada
a cláusula do sigilo, o pacto da delação corre o risco de ser invalidado a
pedido de uma das partes, do Ministério Público ou da Justiça.
Veja deveria
ter pensado nisso antes de publicar no formato de reportagem o resumo das 42
horas de gravação do depoimento na Polícia Federal do ex-diretor de
Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa. A paranoia sensacionalista
pelo “furo” pode produzir efeitos adversos, inclusive beneficiar a fonte do
vazamento.
Na “Carta ao Leitor” da edição 2390 (de 10/9, pág.13), o
responsável pela revista, sem identificar-se, procura atribuir a
responsabilidade aos “delegados da PF e procuradores [do MP]”.
Puro
despiste, visível cortina de fumaça. Delegados ou procuradores seriam
facilmente identificáveis; o tal resumo estava pronto, serviu de base para as
tais 42 horas de interrogatórios e foi oferecido como brinde à Veja.
Nele estão nomeados 12 personagens, entre eles um ministro, dois
ex-governadores, deputados, senadores e a cúpula do Legislativo federal. É
apenas uma amostra – a revista menciona a presença de um número bem maior de
figurões: três governadores, seis senadores e 25 deputados.
Padrões
indesejáveis
Na realidade não houve vazamento, houve troca de favores. Razões
não faltam: a) chantagem para garantir maiores benefícios penais ao delator; b)
advertência para dissuadir os interessados em “apagar” Paulo Roberto Costa; e,
c) interromper o processo da delação, adiando-o para depois das eleições.
Veja aprendeu
a correr riscos e fez uma escolha. Inconcebível e indesculpável é que o grosso
da grande imprensa tenha embarcado cegamente numa perigosa aventura em que o
seu prestígio e credibilidade podem ficar seriamente comprometidos. Com o
grosseiro compartilhamento de informações desprovido de qualquer complemento
investigativo, a fina flor da nossa mídia atrelou-se a um modus
operandi que em seminários e ágapes corporativos geralmente desaprova.
Nivelou-se por baixo sem constrangimento e sem vacilações.
O pool formado
no último fim de semana a reboque de Veja confirma uma vocação
concentradora de nossa imprensa incompatível com o conceito de pluralismo e
justifica as cruzadas xiitas contra o PIG, Partido da Imprensa Golpista.
A sucessão de escândalos envolvendo a Petrobras não pode servir
de paradigma para um vale-tudo que empurra o nosso jornalismo para os padrões
das redes sociais, e dos quais dificilmente se libertará.
Para
depois
Foram
imediatas as reações ao material divulgado por Veja &
Associados. Já no domingo (7/9), PT e o PSB exigiram acesso ao texto da
delação. No dia seguinte foi a vez da Petrobras e das duas CPI do Congresso.
Dificilmente conseguirão quebrar o sigilo de um processo de delação acompanhado
pela Procuradoria Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal. Mas podem
adiar a sua conclusão para depois das eleições.
Alberto Dines – jornalista, escritor,
dirigiu e lançou diversas revistas e jornais no Brasil e em Portugal, foi
editor –chefe do Jornal do Brasil, criou o site Observatório da Imprensa, é
pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da
Unicamp.
Fonte: site Observatório da Imprensa