Quando olhamos para o panorama
atual no Brasil, que expõe empresas gigantes, envolvidas em mau comportamento
confesso – algumas delas até mesmo em risco real de quebrar – não deveríamos os
profissionais de Assuntos Institucionais, Relações Públicas e Governamentais,
Comunicação Empresarial etc. ir além da burocracia e do dia-a-dia das
estratégias, argumentos e ferramentas rotineiros?
Não estarão as instituições
brasileiras subindo um ou mais degraus na escada de mudança de paradigma – e
portanto não deveríamos também nós elevar o patamar de nossas atividades
profissionais, no contexto maior de uma mudança histórica, para melhor, do
quadro institucional do Brasil?
A corrupção começou no Paraíso,
com a serpente, Eva e Adão – e nunca acabará. E no mundo moderno
o chamado capitalismo de laços não desaparecerá totalmente de uma hora para
outra.
Mas diversos episódios estão
expondo as mazelas de tudo isso e envolvendo governos e empresas imensas. E,
nesse processo, manchando como nunca antes as imagens dos agentes de governo e
de todas as empresas. Porque, ao acompanhar as notícias, muita gente pensa:
“Empresários e políticos são todos iguais”.
Episódios como os mensalões do
PT e dos tucanos, a Lava-a-Jato, FIFA e CBF, o cartel dos trens (Siemens,
Alstom etc.), presidentes da Câmara e do Senado sob a mira de investigações,
corrupção interna na Petrobras e Eletrobras (na Petrobras, a maior empresa do
Brasil!) – e outros casos, fora os que ainda vão aparecer.
Enquanto isso, de outro lado, o
que vemos é um Ministério Público independente, que praticamente passou a ser o
quarto poder e derrubou a imprensa para quinto. Uma Polícia Federal atuante e
autônoma nas investigações, rastreabilidade pelos computadores, e-mails
confiscados, delações premiadas, acordos de leniência, fim do sigilo dos bancos
suíços, o caso das contas no HSBC no exterior, revelações do Wikileaks, grandes
empreiteiros atrás das grades, Lei Anticorrupção, Lei de Acesso à Informação,
liberdade total de imprensa e de expressão.
Na política, o PSDB sequer
consegue ser oposição, aparentemente por medo do risco de Dilma eventualmente
recuperar sua popularidade e também de ser pego no contrapé pelas
investigações. A propósito, é bom lembrar que a lei que institui a delação
premiada – a que, no fundo, se deve o desenrolar de todo esse novelo – é obra
do governo Dilma.
Entre as empresas, por sua vez,
além das acusações de corrupção ativa e passiva que tisnam a reputação de
algumas e respingam em todas, aqui e ali pipocam casos de trabalho similar ao
escravo, trabalho infantil, assédio moral, discriminação de sexo, excessiva
pressão por resultados e por produtividade criando um ambiente desumanamente
estressante.
Indignação popular
Assistimos à destruição das
imagens do governo, de parlamentares, de empresas gigantes.
E, para quem acha que o Brasil
tem o monopólio do descrédito institucional, vale lembrar que esse mal não
atinge apenas empresas nacionais. O jornalista inglês Andy Robinson publicou há
pouco o livro “Um repórter na montanha mágica”, sobre o Fórum de Davos, em que
afirma que a elite empresarial global concentra uma parcela cada vez maior do
patrimônio econômico mundial, gerando instabilidade e insustentabilidade,
enquanto as empresas usam o evento de Davos para projetar imagem positiva.
O resultado de tudo isso não
poderia ser outro, senão a indignação popular, desencanto, desgosto,
pessimismo.
Os que cuidamos da imagem
pública das empresas empregamos palavras de moda, buzz words como
accountability, governança, compliance, narrativa, resiliência. Mas não
precisaremos mais que isso?
Não teremos nós, profissionais
de Relações Governamentais, Relações Públicas, Comunicação, que somos a cara
política das empresas, o dever de transcender o feijão com arroz do dia-a-dia,
em nome do melhor interesse delas próprias? Não é nosso dever convencer nossos
clientes e empregadores de que um grande esforço conjunto precisa ser feito
para resgatar a reputação do ente empresarial no Brasil?
Me ocorre que é necessário um
choque institucional na relação entre empresas e governo e entre empresas e
opinião pública, para recuperar e melhorar a imagem e reputação das empresas. O
que essa situação atual aponta, me parece, é para a necessidade de uma evolução
mais radical no posicionamento institucional das empresas.
Elas precisam ampliar muito sua
credibilidade, via valores elevados e a comunicação estratégica e intensa desses
valores. E também, elemento fundamental, devem implantar internamente sistemas
e métodos que impeçam atos de corrupção – grandes e pequenos.
O reconhecimento desses valores
elevados, pela opinião pública, fará cada vez mais a diferença, para o êxito nas
Relações Públicas e Governamentais – e também no posicionamento institucional
das empresas, até no seu Marketing.
Porque parece que a população
acha que Chega de Esperteza.
Por isso, o ente empresarial em
seu conjunto precisa, acredito, deixar de se arrastar como um caramujo a
reboque da crise e tomar a iniciativa forte de mostrar um cerne, uma essência,
que sejam positivos, institucionalmente saudáveis.
Não só anonimamente, por trás
das siglas de suas associações, mas como empresas individuais – e também por
seus setores e entidades associativas.
Esse processo deve começar por
um exercício interno de formulação e formalização de valores morais:
integridade, anti-corrupção, governança, respeito aos direitos humanos no
ambiente de trabalho, promoção social da comunidade, relacionamento
transparente com stakeholders, envolvendo todos os acionistas, dirigentes,
funcionários, terceiros e fornecedores. E divulgar amplamente a realização
desse trabalho.
Publicar seus códigos de ética,
seus valores, organizar eventos de lançamento e divulga-los intensamente,
inclusive como matéria paga, internaliza-los em todos os funcionários (e
divulgar esse trabalho de treinamento). Pendurar nas paredes físicas da
empresa, na intranet e nos sites. Deixar claro para todos os funcionários,
publicamente, que é obrigação pautarem sua conduta de acordo com tais valores,
fazer a coisa certa todos os dias e o dia todo – e quais as sanções para quem
não agir dessa forma.
Promover sessões anuais de
treinamento para conscientizar os novos funcionários e reavivar permanentemente
a memória de todos os membros de seu corpo funcional. Implantar treinamento
frequente com casos por intranet, mandatório para todos os funcionários.
Publicar sua politica de
Relações Governamentais, entregá-la impressa a autoridades, parlamentares, seus
assessores, imprensa – até exagerar na divulgação.
Um CNPJ nada faz. É um papel
inerte, como o contrato social, registrado na Junta Comercial. Quem faz ou
deixa de fazer as coisas são as pessoas – acionistas das empresas, presidentes,
diretores e funcionários. CPFs.
Leis anti-corrupção
Desde a década de 1970 as
únicas empresas do mundo que tinham uma legislação nacional coibindo a
corrupção entre empresas e mandatários e funcionários de governos eram as
americanas, que tinham o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act).
Essa lei dos EUA começou a
nascer quando o príncipe Bernhard, marido da Rainha Juliana, da Holanda, foi
flagrado recebendo propina da Lockheed para convencer seu país a comprar aviões
fabricados pela empresa. Grande escândalo, na década de 1970, mas não foi o
único. Surgiu no contexto de uma importante investigação pela SEC (a CVM
americana), que envolveu 400 empresas dos EUA por esse tipo de comportamento e
levou o governo Jimmy Carter a sancionar o FCPA em 1977.
No começo dos anos 2000 a União
Européia, com apoio da OCDE-Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, apertou os controles sobre isso (daí as auto-denúncias da Siemens na
Alemanha, sobre comportamentos de seus executivos em anos anteriores – e mais
recentemente aqui no Brasil também); as empresas asiáticas também estão
aprimorando seus controles; e, entre nós, a presidente Dilma Rousseff, em
Agosto de 2013, sancionou a Lei 12.846, que responsabiliza também as pessoas
jurídicas pela prática, por seus funcionários, de atos contra a administração
pública nacional ou estrangeira.
Em nosso País a imbricação
entre interesses privados e governo ocorre até antes do Brasil existir
oficialmente. Lembremos que a expedição de Pedro Alvares Cabral foi um
empreendimento particular com suporte financeiro do estado português (e também
a de Cristóvão Colombo, com dinheiro do governo espanhol).
E os portugueses, logo que
chegaram aqui, a primeira coisa que fizeram foi distribuir propina aos nativos,
na forma de colares, espelhinhos, missangas e lantejoulas.
Então nenhuma dessas denúncias
da Lava-a-Jato é surpresa para quem lê jornais. É uma tradição nacional, que
“todo o mundo sempre soube que era assim”.
Por isso até agora, a rigor, só
houve dois fatos surpreendentes para as pessoas informadas, em todo esse
desfile de horrores que temos presenciado:
Primeiro a própria Lava-a-Jato,
sua duração, sua ampliação, seu aprofundamento, a delação premiada, a atuação
do juiz Sérgio Moro, do Ministério Público e da Polícia Federal, pessoas
importantes encarceradas – tudo isso acontece pela primeira vez nos 515 anos da
História do Brasil.
O segundo fato surpreendente
foi o abandono da carreira pela advogada Beatriz Catta Preta, acuada por
ameaças. Imagine… Uma advogada jovem, séria e discreta, bem-sucedida na
profissão, com um trabalho importante, tornando-se uma profissional famosa,
subitamente renuncia a todos os clientes, fecha e esvazia o escritório, demite
todos os funcionários e abandona a carreira. Por sentir-se amedrontada por
ameaças de políticos – ela e a família, com filhos provavelmente pequenos.
Para concluir, como já disse,
na verdade quem comete todos os atos lícitos ou ilícitos nas empresas não são
os CNPJs, nem os contratos sociais, nem os logotipos. São pessoas físicas. Mas
as empresas, todas elas, são seriamente prejudicadas institucionalmente – de
algumas, até a própria sobrevivência se vê ameçada.
Por isso o que se precisa agora
é uma Revolta dos Logotipos, um choque de integridade por iniciativa das
empresas, dos CNPJs, que envolva profundamente os acionistas, executivos e
funcionários – e com um forte compromisso institucional público.
Ou estarei eu sendo utópico,
perdendo pé da realidade? No mínimo gostaria de me tornar incômodo e provocar.
Ou então podemos todos continuar a assistir inermes à putrefação geral a que
aludiu recentemente Clóvis Rossi em artigo na Folha de S.Paulo.
Nemércio Nogueira - jornalista,
autor de outros livros sobre relações públicas e comunicação empresarial,
fundador da R.P., tendo ainda presidido o Conselho Regional de Profissionais de
Relações Públicas de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. E-mail: rpconnemercio@osite.com.br
Fonte: site ABERJE