O que fazer para não enlouquecer nas noites de
insônia?
É
possível aprender a sonhar sem conseguir dormir.
Desde menina, sou viciada em livros.
Amo o livro impresso, gosto
de riscar os trechos mais importantes com canetas coloridas, imagino que estou
conversando com o autor quando faço minhas observações no livro e marco as
passagens mais significativas.
Tenho o hábito de escrever no próprio livro as
perguntas e dúvidas geradas pela leitura. Meus livros são repletos de cores e
anotações.
Nunca havia escutado um audiobook até que, em setembro de 2019,
fui convidada para gravar o meu livro "Liberdade, Felicidade e
Foda-se!" Perguntei o nome da profissional que iria gravá-lo e a resposta
me surpreendeu:
"Queríamos que você mesma fizesse a
gravação".
"Como assim? Nunca fiz isso. Não é melhor uma
profissional?"
"Achamos que seria muito melhor a sua própria
voz. Sua voz já é muito conhecida.
O livro é baseado no seu TEDx ‘A invenção de
uma bela velhice’ que já foi visto por mais de 1 milhão e 200 mil pessoas
no Youtube.
E sua voz também é conhecida por suas
participações na televisão".
É verdade. Já fui reconhecida no supermercado e
caminhando na rua, de costas, por mulheres que apenas ouviram a minha voz.
"Adoro te assistir no 'Encontro com a Fátima
Bernardes', sou sua fã. Você tem uma voz tão doce que me acalma".
"Já ouvi mais de dez vezes seu TED e
compartilhei com todas as minhas amigas. Você tem uma voz tão calminha e
gostosa".
Tudo o que eu não sou é calminha. Sou ansiosa, preocupada, tensa
e intensa.
Mas já ouvi inúmeras vezes que minha voz é calminha, suave e doce.
Aceitei o desafio e lá fui eu, de metrô, para a Barra da Tijuca
gravar meu primeiro audiobook. Foram duas tardes inteiras em um pequeno
estúdio.
No início, fiquei tímida e envergonhada, mas depois fui me soltando e
passei a interpretar as conversas que tive com meus entrevistados.
Ler e interpretar o meu próprio livro foi uma experiência
divertida e saborosa. E ficou melhor ainda quando escutei o audiobook pronto.
Descobri algo curioso: escutar minha própria voz me acalma. Como sofro de
insônia, passei a escutar meu audiobook na hora de dormir.
E passei a dormir
muito bem, sem precisar de calmantes ou ansiolíticos.
Continuo viciada e apaixonada pelos livros impressos, mas, desde
então, adquiri o hábito de adormecer ouvindo audiobooks.
Lógico que não é mais
o meu, que já sei de cor.
Tenho adormecido ouvindo audiobooks de psicologia,
especialmente sobre o funcionamento do cérebro, sobre como ser mais corajosa e
resiliente, como lidar com meus medos, ansiedades, preocupações, angústias,
perdas, dores, sofrimentos, tristezas, frustrações e muito mais.
Para escolher um audiobook que me acompanhará nas minhas
madrugadas insones, mais importante do que o assunto é a narração do livro.
A
voz do homem ou da mulher que narra o livro tem que ser firme, agradável, doce,
suave, sedutora.
Não pode ser uma voz lenta e grave demais nem aguda,
pretensiosa e ansiosa.
Para mim, o pior pesadelo é ouvir o abuso irritante e
desagradável do "a gente" e de outros vícios de linguagem.
Nos últimos dois anos, o audiobook tem sido um excelente
companheiro na hora de dormir e também nas minhas caminhadas diárias.
Ontem
adormeci ouvindo um audiobook que está me ensinando que o cérebro é muito
curioso e que ele adora aprender coisas novas, ler, sonhar, criar, dar risadas
e brincar.
Muitos dizem que o livro morreu. A realidade prova o contrário.
A venda de livros tem superado as expectativas do mercado editorial brasileiro:
em 2020 foram vendidos 41,9 milhões de exemplares; em 2021 foram 55 milhões de
livros.
Rubem Alves escreveu, na crônica "Sob o feitiço dos
livros", que "nem só de beijos e transas viverá o amor, mas de toda
palavra que sai da mão do escritor".
"O meu mundo seria muito pobre se em mim não estivessem os
livros que li e amei... Os livros que amo não me deixam.
Caminham comigo...
Escrever e ler são formas de fazer amor".
Parafraseando meu cronista favorito, digo que nem só de beijos e transas vivem
minhas madrugadas insones, mas de todos os livros que caminham comigo e que me
fazem sonhar
Mirian Goldenberg - antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"