'Black
Software', igualdade e tecnologia
Livro faz análise aprofundada da
relação conturbada entre tecnologia e raça.
Um dos painéis
mais interessantes que aconteceram no Fórum Econômico Mundial teve como protagonista o músico Will.I.Am,
globalmente conhecido por seu trabalho no grupo Black Eyed Peas.
O músico foi para Davos não só para tratar de
música mas também para falar de inteligência artificial (IA).
Como fã do seu
trabalho nos dois campos, tratei logo de postar uma selfie do seu lado, com a
legenda “falando sobre inteligência artificial como Will.I.Am”.
Infelizmente,
recebi mensagens que servem para abrir os olhos (ainda mais!) para a questão de
viés quando se trata de tecnologia.
Houve quem tivesse ficado intrigado,
incomodado e até irritado com Will.I.Am “falando sobre inteligência artificial”
Só
para deixar claro, o músico participa do conselho de administração de empresas
de IA e já colaborou com a IBM sobre o tema.
E, em Davos, fechou uma parceria
para lançar um prêmio para brinquedos que usam IA de forma responsável para com
as crianças.
E, é
claro, Will.I.Am usa inteligência artificial também no seu trabalho musical. Em
entrevista recente para o Financial Times, o músico disse que a inteligência
artificial será central para a indústria musical, inclusive na parte de shows.
Por
exemplo, o próprio músico já construiu seu avatar virtual movido por IA, em
parceria com a empresa Soul Machines.
Esse avatar já é capaz, por exemplo, de
fazer shows do mesmo jeito que ele.
Só que a Soul Machines vai além disso.
O objetivo da empresa é “revolucionar a
relação entre homens e máquinas”. Dentre as suas promessas está uma “revolução
no conceito de atendimento ao consumidor”.
Em
um futuro próximo, não será surpresa se você ligar para o call center de uma
empresa e for atendido pela voz digital da sua celebridade favorita, que vai
realizar todo o atendimento movido por IA.
No
papo com Will.I.Am, um dos temas abordados foi exatamente a questão do viés racial na tecnologia.
Na
história da inovação, há, infelizmente, vários casos emblemáticos.
Em
1930, por exemplo, a Westinghouse inventou um robô chamado “Rastus, o Negro
Mecânico”.
O nome já descreve bem do que se trata: um humanoide de pele negra
que, usando contrações mecânicas, era capaz de se levantar, realizar alguns
movimentos e emitir alguns sons.
As fotos da exibição do “Rastus” são um dos
documentos mais chocantes sobre racismo na história da tecnologia.
Um
bom antídoto para essa questão é a leitura do recém-lançado livro “Black
Software”, que trata justamente da relação entre raça e tecnologia.
Escrita por
Charlton McIIlwain, professor e vice-reitor da Universidade de Nova York, a
obra retrata o papel crucial de engenheiros de software, pesquisadores e
empreendedores negros desde os anos 1950 na construção da internet e da
computação como conhecemos hoje.
O livro
faz também uma análise aprofundada da relação conturbada entre tecnologia e
raça, mostrando os inúmeros desafios com relação a isso.
Muitas
vezes achamos que a tecnologia é “neutra” e que o problema é o uso que fazemos
dela. A questão é que tecnologia é produto de design, o que embute inúmeras
escolhas.
Ter
dimensão de erros como o “Rastus” ajuda a prevenir que o design no presente
repita o passado.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP