Esta é a pior crise que o jornalismo já viveu, segundo
José Hamilton Ribeiro, 82, jornalista com 60 anos de carreira e autor de 15 livros.
O veterano critica especialmente a diminuição de grandes
reportagens –que, ressalta, não são reportagens grandes– e a mudança das
coberturas de guerra, antes in loco, hoje à distância e baseada em fontes
oficiais. “Estamos no meio de uma mudança tecnológica que pode extinguir a
profissão”, disse em palestra para os participantes do 1º Programa de
Treinamento de Jornalismo em Agroindústria e Sustentabilidade, na Folha
(dia 13/11).
Segundo Hamilton, grandes reportagens exigem pesquisa,
tempo, dinheiro para uma possível viagem e muito suor. “É custoso. Num momento
de restrição econômica, a primeira coisa que se faz é evitá-las.”
Detentor de sete prêmios Esso de Jornalismo, Hamilton contou
que toda grande reportagem que fez foi baseada numa pessoa, no lado humano. “O
espetáculo do homem é o próprio homem. Se tira isso, vira um relatório.”
Na palestra, ele salientou o fato de a internet
facilitar a apuração. “Antigamente íamos à biblioteca municipal para pegar
livros. As novas ferramentas facilitam muito. Mas é óbvio que no meio
das lebres tem muito gato”, disse.
José Hamilton Ribeiro em palestra
para os trainees de Agroindústria e Sustentabilidade
Hamilton passou pelas redações da Folha, das
revistas “Realidade” e “Quatro Rodas” e dos programas “Globo Repórter” e
“Fantástico”, antes do “Globo Rural”, onde atua como repórter e como editor.
Uma de suas maiores histórias aconteceu durante a
cobertura da Guerra do Vietnã, em 1968, quando o jornalista perdeu uma parte da
perna esquerda ao pisar numa mina. A história está no livro “O Gosto da Guerra”
(ed. Objetiva, 144 pags, R$ 29,90).
“O mundo acabou numa poeira preta, fiquei com a sensação
de que a bomba tinha pegado o soldado na minha frente, mas, quando a fumaça
rareou, ele estava de olho arregalado, olhando para mim. Depois de algum
tempo percebi que era comigo. Estava só de cueca, uma parte da minha perna
tinha sumido, o outro lado ficou bastante ferido.”
Ele estava no front americano e fez 11 cirurgias até ter
condição de voar aos Estados Unidos para continuar o tratamento. Hoje, avalia
que não é mais possível cobrir guerras como na sua época.
“Na Guerra do Vietnã havia 500 jornalistas do mundo todo
num enorme centro de imprensa. Jornais e revistas seguiam tudo como novela.
Tinha um furo para cada um. Mas os EUA perderam e aprenderam a lição.”
Segundo Hamilton, desde então, não houve mais “moleza”
para os correspondentes de guerra onde o país americano estava. “A imagem do
Saddam Hussein saindo do buraco não foi feita por nenhum jornalista, mas pelo
exército. Antes, a gente via a guerra, agora só ouve, por outros”, disse ele.
“As batalhas de agora, com drones, também não permitem mais a presença de
pessoas.”
José Hamilton Ribeiro – jornalista com 60 anos de carreira.
Fonte: artigo jornal FSP