Você já
ouviu falar de “fintech”? Se ainda não ouviu, saiba que, em algum momento, vai
“trombar” com as empresas nascentes que começam a invadir o segmento de
serviços financeiros, crédito e investimentos.
O fintech (de “financial technology”) é um termo que vem
virando sinônimo de empresas startups que estão desenvolvendo soluções
financeiras, geralmente baseadas em tecnologias emergentes ou modelos de
negócios inovadores.
Talvez
não seja nenhuma surpresa que o epicentro do fintech são os EUA, mas a onda já começa a
chegar por aqui. Não quero mencionar nomes, mas já temos algumas iniciativas
interessantes explorando coisas como cartões de crédito, ferramentas de
planejamento e controle financeiro (que se comunicam diretamente com os
bancos), plataformas de investimento automatizadas, operações de crédito “P2P”,
entre outras.
Aqui cabe fazer uma observação: o Brasil foi, por muito tempo,
reconhecido mundialmente como um mercado financeiro inovador e tecnológico. O
período de hiperinflação, que vivemos nos anos 80 e 90, levou nossos bancos e
instituições financeiras a tomarem a dianteira no desenvolvimento de novas
tecnologias para dar mais velocidade às operações. Nossos bancos compensavam
cheques e ordens de pagamento “de um dia para o outro” numa época em que, nos
EUA (já que adoramos nos comparar a eles), um simples pagamento poderia levar
dias para ser processado.
Porém, depois do advento da internet, o ritmo das inovações
financeiras caiu um pouco aqui no Brasil. Temos um sistema financeiro
razoavelmente sólido e o Sistema Brasileiro de Pagamentos é surpreendentemente
bom, mas a vantagem que tínhamos sobre os outros países em informatização das
transações financeiras ficou no passado.
Com o tempo, nosso sistema financeiro acabou se tornando menos
inovador e altamente concentrado na mão de poucas instituições com atuação
nacional. Basicamente, temos hoje os grandes “bancões” (que atuam como
“supermercados financeiros”, oferecendo todo tipo de serviço para os clientes)
e instituições pequenas e altamente especializadas, muitas vezes voltadas para
clientes sofisticados e com necessidades pontuais.
Os bancos e instituições de porte médio praticamente sumiram do
Brasil – a “classe média” do mercado financeiro ficou muito pequena e os
clientes foram “empurrados” para os grandes bancos que vêm, em muitas ocasiões,
agindo de uma forma “não muito bacana” com eles. Frequentemente, ouvimos
pessoas se queixando de atendimento ruim, altos custos e tarifas, vendas
casadas, pressões por “reciprocidade” (leia-se “chantagem”), orientações
deficientes (ou claramente mal-intencionadas) para investimentos, entre outras
coisas.
Temos o cenário perfeito para grandes “inovações disruptivas” no
mercado financeiro: Clientes insatisfeitos, grandes grupos empresariais que
estão “deitando e rolando” sobre esses clientes e uma infinidade de
empreendedores criativos, com boas ideias e condições de executá-las, prontos
para atender esses clientes ávidos por bons serviços e um pouco de respeito.
Ou
seja, o Brasil é um paraíso para as fintechs. O cenário, do
ponto de vista mercadológico e tecnológico, não poderia ser mais perfeito – as
pessoas já têm um razoável grau de intimidade com as novas tecnologias e estão,
em grande parte, dispostas a experimentar novos serviços.
Só falta uma coisa para virarmos um paraíso “de fato”: Um
ambiente regulatório mais aberto e mais favorável às inovações. E é neste ponto
que vamos, sem escalas, do paraíso para o inferno…
É extremamente difícil, para um empreendedor, atuar no mercado
financeiro brasileiro. Sabemos que o aparato regulatório dos mercados financeiros
existe por um motivo justo: Garantir (uhmmm…) a segurança da população e do
próprio sistema. Porém, nossas autoridades financeiras frequentemente “erram a
mão” e acabam engessando demais o mercado, levantando suspeitas se todo esse
emaranhado regulatório e as exigências para se atuar no mercado financeiro são,
realmente, algo com o objetivo de dar segurança às pessoas ou se são apenas
para criar uma reserva de mercado.
Um caso particular, que me chamou a atenção, é o de uma empresa
de origem estrangeira, que opera com empréstimos “P2P” (onde usuários podem
emprestar diretamente dinheiro para outras pessoas e empresas), que precisou se
aliar a um banco brasileiro para atuar aqui. Na prática, a empresa altamente
inovadora, que poderia ajudar nosso mercado de crédito a ficar mais dinâmico,
teve que virar um reles correspondente bancário, travestido de empresa
tecnológica e “moderninha”…
A verdade é que muitas das empresas altamente inovadoras e
criativas que vem surgindo em outros países, que possibilitam coisas
interessantíssimas como recursos para novos empreendimentos, pagamentos e
orientação para investidores (ou mesmo a execução automática de estratégias de
investimento), simplesmente não poderiam atuar no Brasil por não atenderem aos
requisitos de nossas autoridades financeiras, apesar de serem originárias de
países com mercados financeiros muito mais complexos e desenvolvidos que o
nosso.
É preciso, urgentemente, que as nossas autoridades financeiras
abram os olhos para essas inovações e trabalhem para reduzir as barreiras de
entrada ao mercado financeiro, deixando-o mais permeável para que
empreendedores com muita criatividade (mas, muitas vezes, com poucos recursos)
tenham uma chance de sobreviver, prosperar e, quem sabe, deixar nosso o mercado
financeiro mais forte e mais moderno.
André Massaro -
escritor, palestrante, consultor financeiro
Fonte: http://exame.abril.com.br/