A alta dos juros sob a perspectiva atuarial


A alta dos juros sob a perspectiva atuarial

 Recentemente, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros, a Selic, para 14,25% ao ano, com o intuito de conter pressões inflacionárias que vinham persistindo na economia brasileira. 

Embora esse movimento afete diversos aspectos macroeconômicos, as implicações sobre as avaliações atuariais são especialmente relevantes, notadamente em relação às obrigações decorrentes de benefícios concedidos pelas empresas a seus empregados.

 

 

Nesse contexto, é fundamental considerar que as empresas brasileiras estão sujeitas ao Pronunciamento Técnico CPC 33 (R1), alinhado ao IAS 19 do International Accounting Standards Board (IASB), que orienta a contabilização dos benefícios pós-emprego. 

O CPC 33 (R1) estabelece que as obrigações atuariais devem ser mensuradas utilizando-se premissas financeiras e demográficas robustas, coerentes e atualizadas periodicamente.

 

 

Entre essas premissas, a taxa de desconto se destaca como uma das mais críticas, sendo diretamente influenciada pelas condições do mercado financeiro, especialmente pela estrutura das taxas de juros reais de longo prazo. 

O aumento da taxa Selic influencia diretamente essa estrutura, provocando ajustes imediatos nas taxas reais utilizadas para desconto das obrigações futuras nas avaliações atuariais das empresas patrocinadoras. 

Assim, um aumento significativo da Selic, como o recentemente ocorrido, tende a resultar em um incremento correspondente das taxas de desconto adotadas pelas empresas, reduzindo, assim, o valor presente das obrigações atuariais. 

A consequência imediata dessa redução é a geração de um ganho atuarial relevante, que deve ser reconhecido diretamente no patrimônio líquido da empresa patrocinadora por meio do outro resultado abrangente (OCI – Other Comprehensive Income), conforme prevê expressamente o CPC 33 (R1).

 

 

Essa prática, entretanto, nem sempre foi adotada dessa maneira. 

Até a entrada em vigor integral do CPC 33 (R1), era comum o uso do método conhecido como “corredor atuarial”, regulamentado anteriormente pela Deliberação CVM nº 371 (atualmente revogada). 

A Deliberação CVM nº 371 previa que os ganhos e perdas atuariais só seriam reconhecidos contabilmente caso ultrapassassem limites pré-definidos, especificamente quando superiores a 10% do maior valor entre o passivo atuarial e o valor justo dos ativos dos planos de benefícios. 

Esse mecanismo proporcionava às empresas uma proteção temporária contra oscilações abruptas no valor das obrigações, permitindo um reconhecimento gradual e menos volátil das variações decorrentes de mudanças nas premissas atuariais.

 

 

Com a revogação desse método e adoção integral do CPC 33 (R1), as empresas passaram a experimentar maior sensibilidade contábil em relação às oscilações das taxas de desconto, refletindo imediatamente nos seus balanços as mudanças econômicas conjunturais. 

Essa mudança normativa aumentou substancialmente a transparência das demonstrações financeiras, porém trouxe como desafio a necessidade de uma gestão mais diligente e preventiva das obrigações atuariais e das premissas utilizadas nas avaliações.

 

 

É importante observar que os efeitos da elevação da Selic não são restritos às empresas patrocinadoras sujeitas ao CPC 33 (R1). 

As Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs), embora não sujeitas diretamente a esse pronunciamento contábil, também sofrem os impactos das mudanças nas taxas de juros. 

Nas EFPCs, contudo, a taxa de desconto utilizada é uma taxa técnica atuarial projetada com base em expectativas de rentabilidade futura dos ativos, sem necessariamente acompanhar automaticamente as oscilações imediatas da taxa Selic.

 

 

Essa diferença metodológica gera impactos distintos: enquanto as empresas sob o CPC 33 (R1) têm uma exposição imediata e direta às mudanças conjunturais, as EFPCs conseguem atenuar essas variações, preservando uma relativa estabilidade das avaliações atuariais. 

Por outro lado, a manutenção de taxas técnicas estáveis nas EFPCs pode retardar o reconhecimento de desequilíbrios estruturais importantes, especialmente em situações de mudanças econômicas prolongadas, exigindo revisões periódicas consistentes dessas premissas.

 

 

A elevação da Selic também afeta significativamente o valor dos ativos garantidores das obrigações atuariais, notadamente os títulos públicos marcados a mercado, que compõem parcela significativa desses ativos. 

Uma elevação da taxa básica resulta em desvalorização imediata desses títulos, impactando negativamente o desempenho dos fundos previdenciários no curto prazo, especialmente nas EFPCs com planos maduros e com elevada duration dos passivos.

 

 

Esse cenário adverso pode levar as EFPCs a déficits atuariais temporários ou recorrentes, exigindo ajustes nas políticas de custeio, revisão das estratégias de investimento ou ainda aumento das contribuições dos patrocinadores e participantes. 

Nas empresas patrocinadoras, entretanto, tais perdas nos ativos garantidores não são diretamente reconhecidas nos passivos atuariais, salvo nos casos em que haja déficits ou superávits relevantes que exijam reconhecimento contábil adicional.

 

Nesse sentido, tanto empresas patrocinadoras quanto EFPCs precisam reforçar suas práticas de gestão do risco atuarial, especialmente relacionadas à gestão integrada dos ativos e passivos (ALM – Asset Liability Management). 

A gestão adequada da duration dos ativos frente aos passivos torna-se essencial nesse ambiente de elevadas taxas de juros, exigindo dos gestores atuariais estratégias sofisticadas e maior atenção à volatilidade dos mercados.

 

 

Além disso, é essencial reconhecer que as premissas atuariais correlacionadas, como inflação futura, crescimento salarial e rotatividade dos empregados, também devem ser revisadas periodicamente para garantir coerência técnica e econômica. 

No âmbito regulatório, observa-se atualmente uma maior exigência de transparência sobre as premissas utilizadas nas avaliações atuariais, tanto por parte da CVM, em relação às empresas patrocinadoras, quanto dos órgãos reguladores específicos para as EFPCs.

 

 

Atuários, gestores financeiros e membros dos conselhos fiscais e de auditoria devem estar preparados para explicar claramente aos stakeholders os impactos dessas revisões e dos resultados atuariais apresentados, especialmente diante de flutuações bruscas nas taxas de juros. 

A elevação recente da Selic reforça a necessidade de avaliações atuariais periódicas e contínuas, considerando cenários prospectivos de manutenção, redução ou novos aumentos nas taxas de juros, garantindo assim uma gestão proativa dos riscos envolvidos.

 

 

Com a eliminação definitiva de mecanismos como o corredor atuarial, as empresas precisam estar cientes da crescente exposição das demonstrações contábeis a fatores econômicos externos, preparando-se para gerenciar volatilidades e comunicar adequadamente esses impactos ao mercado. 

Em última análise, a mudança na metodologia contábil e atuarial decorrente do CPC 33 (R1) representa um avanço significativo na transparência, ainda que exija esforços adicionais para mitigar a volatilidade nas demonstrações financeiras.

 

 

Assim, fica evidente que a elevação da Selic não apenas impacta diretamente a mensuração das obrigações atuariais, mas também reforça a importância da adoção de práticas rigorosas de governança, controle e gestão atuarial integrada, visando a sustentabilidade econômica e financeira dos compromissos previdenciários assumidos pelas empresas patrocinadoras e pelas entidades previdenciárias no Brasil.

 

 

ANDREA MENTE - actuarial partner na Assistants.


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