Período de secas intensas pode ter
provocado o colapso
“Não
há cura para a tua ferida, tua praga é incurável! Todos os que ouvem notícias
sobre ti batem palmas a teu respeito; pois sobre quem não passou continuamente
a tua maldade?”
Foi
com esses versos ferozes que o profeta bíblico Naum celebrou a destruição de
Nínive, capital do Império Assírio, em 612 a.C. Depois de aterrorizar os
israelitas e todo o Oriente Médio por três séculos, os assírios estavam sendo
aniquilados em seu próprio território, localizado no norte do atual Iraque.
É
natural que o vidente do Antigo Testamento enxergasse o saque de Nínive como
punição divina pelas iniquidades dos pagãos. Historiadores seculares costumam
enfatizar, por outro lado, a excessiva ambição territorial dos assírios,
guerras civis e a ascensão de rivais como o Império Babilônico e tribos
iranianas (os medos e os persas) entre os fatores que levaram ao colapso da
antiga superpotência.
Rei assírio caçando leão; pesquisadores usaram
espeleotemas para estudar clima da época –
Entretanto,
é possível que, de fato, haja algo de profético no fim da Assíria, ao menos do
ponto de vista do século 21: ele estaria ligado a alterações climáticas
severas.
Dados
que corroboram essa hipótese acabam de ser publicados na revista especializada
Science Advances.
Ashish
Sinha e seus colegas da Universidade do Estado da Califórnia usaram os chamados
espeleotemas (formações de pedra calcária que aparecem no teto e no chão de
cavernas, como as estalactites) para reconstruir aspectos do clima do antigo
território assírio ao longo dos últimos 4.000 anos.
Para
estimar o que estava acontecendo na região, estudaram espeleotemas da caverna
de Kuna Ba, no nordeste do Iraque, que fica a cerca de 300 km de Nínive (mais
ou menos onde hoje está a cidade de Mossul).
O
método da análise é relativamente fácil de entender. Conforme os espeleotemas
se formam, pela interação entre a água e a pedra calcária, eles incorporam
elementos químicos como o oxigênio (presente na água). Ocorre que o oxigênio
tem várias formas diferentes, ou isótopos, que diferem em seu peso. O mais
comum e leve é o oxigênio-16, mas há também o oxigênio-18, mais pesado. A água
que contém oxigênio-16 é, portanto, mais leve do que o líquido com oxigênio-18,
o que significa que o primeiro tipo de água evapora mais fácil do que o
segundo.
O
que isso tem a ver com o clima? Grosso modo, o que acontece é que, em épocas
chuvosas, formam-se espeleotemas mais ricos em oxigênio-16. Nas secas, temos
mais abundância de oxigênio-18 (basicamente porque a água que o contém é a última
a evaporar na secura).
Bem,
os registros da caverna iraquiana indicam que a ascensão imperial da Assíria
aconteceu num período extremamente chuvoso (até 30% mais chuva do que a média
das últimas décadas), o que teria impulsionado a agricultura da região e
alimentado a crescente máquina militar do império. E o colapso aconteceu depois
de secas tão intensas quanto as piores registradas recentemente — só que com
duração de décadas.
O
que não facilitou nem um pouco a situação é o fato de que, sem condições ideais
de chuva, o território em volta de Nínive e outras antigas metrópoles imperiais
mal pode ser usado para o cultivo. Os assírios se expandiram explorando até o
talo um ambiente frágil —e pagaram o preço.
Qualquer
semelhança com o que certo país abençoado por Deus e bonito por natureza anda
fazendo com a sua maior floresta tropical não é mera coincidência. Cristãos que
apoiam isso talvez devessem ler com mais atenção o livro de Naum.
Reinaldo José Lopes - jornalista especializado em biologia e arqueologia,
autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral
Fonte: coluna jornal FSP