Para o físico John Wheeler, a existência da partícula depende de sua interação com a consciência humana
Entre os vários mistérios da física
contemporânea, poucos se comparam à existência de não localidade na física
quântica. Não localidade significa que interações entre entidades separadas
podem ocorrer instantaneamente. É como se o espaço e o tempo não existissem!
Quando uma bola vai ao gol ou uma
gota de chuva cai, existe um efeito local por trás: o chute, a nuvem carregada.
No mundo quântico, dos elétrons e fótons –as partículas de luz–, efeitos podem
ocorrer sem causa local, algo de que tratei na coluna do dia 28 de abril.
Imagine gêmeos, um em São Paulo e
outro em Manaus. Entram num bar, um em cada cidade. Se o de São Paulo pede
pinga, o de Manaus pede chope. Se o de São Paulo pede chope, o de Manaus pede
pinga. Isso ao mesmo tempo, como se soubessem o que o outro pediu. Como é
possível, dado que estão longe e não podem se comunicar?
Essa sincronicidade, se não com
gêmeos, foi verificada entre pares de partículas em experimentos à distância
que comprovam que a correlação é mais rápida do que a velocidade da luz.
Imagino que muitos leitores estejam
pensando na premonição, na sincronicidade junguiana etc.
Lembro que o cérebro humano e os
pares de fótons são “sistemas” bem diferentes. Mas cientistas sérios, como o
vencedor do Nobel Eugene Wigner e seu colega de Princeton John Wheeler, se
questionaram sobre o papel da mente na física.
Quando medimos algo usamos um
detector. Não temos contato direto com um elétron. Sua existência é registrada
quando interage com o detector e ouvimos um clique ou vemos um ponteiro mexer.
Na interpretação “ortodoxa” da
física quântica, é essa interação que determina a existência da partícula:
antes da medida, não podemos nem dizer que a partícula existe.
Wigner e Wheeler acham que, sem um
observador, essa medida não faz sentido; foi o observador que montou o
detector. A existência da partícula depende de interação com a consciência
humana: mais dramaticamente, a consciência determina a realidade em que vivemos.
Wheeler imaginou um experimento no
qual uma partícula passa por um anteparo com dois orifícios e vai de encontro a
uma tela móvel. Atrás dela, há dois detectores alinhados com os orifícios. Se a
tela é retirada, os detectores acusam por qual orifício a partícula passou.
Porém, no mundo quântico,
partículas podem agir como ondas. Ondas passando por dois orifícios criam
padrões de interferência, estrias claras e escuras.
Portanto, duas opções: com tela
vemos interferência, sem tela vemos detecção de uma partícula.
Wheeler sugeriu que a tela fosse
retirada após a partícula ter passado pelo anteparo. Por meio da sua escolha, o
observador cria a propriedade física da partícula agindo retroativamente no
tempo! O incrível é que a previsão de Wheeler foi confirmada. Observador e
observado formam uma entidade única que existe fora do tempo.
Wheeler extrapolou:
“Não somos observadores no
Universo, somos participadores. Sem consciência, o mundo não existe! O Universo
gera a consciência e a consciência dá significado ao Universo”.
Essa visão traz o dilema: será que
o Universo só faz sentido porque existimos?
MARCELO GLEISER | professor de física teórica no Dartmouth College, em
Hanover (EUA), e autor de “Criação Imperfeita”.
Fonte: coluna jornal FSP