Fruta feia


Mudança é o curso natural da vida. O que garante a sobrevivência não é a força, mas a capacidade de adaptação. O rádio não morreu com a televisão porque o rádio mudou. O jornal não vai morrer com a internet porque o jornal está mudando.


A IBM e a Apple mostraram como mudar é liderar. Por isso, novos titãs como Google e Facebook investem bilhões para adquirir ou para criar a próxima grande coisa.


A complacência é grande exterminadora de empresas. O processo de transformação deve ser contínuo e constante.


Muitas vezes é o medo de ficar obsoleto que promove mudanças. O medo deve ser um grande aliado na evolução pessoal e profissional. Mas ele deve ser usado como o cafezinho. Tome pela manhã para acordar, mas use com moderação durante o dia, se não ele não deixa você dormir à noite. E, se você não dorme, não sonha.


Sou empresário e criativo numa área que nos últimos anos virou sinônimo de mudança, a comunicação. Os publicitários nunca tiveram tantas opções --são novos formatos, novas plataformas, novos dados.


A comunicação hoje é multiplataforma, mas ela não deve estar em todas as plataformas. É preciso fazer escolhas. Saber o que não fazer é tão importante quanto saber o que fazer. E o mais importante será sempre a boa ideia e a boa entrega, em qualquer plataforma, em qualquer área.


Como um caso sensacional em Portugal que vi no "New York Times" no último final de semana. Um grupo de empreendedores voluntários lançou há alguns meses uma cooperativa chamada Fruta Feia. Um nome lindo e sonoro para uma ideia inteligente e moderna.


Eles basicamente criaram um mercado para frutas e verduras consideradas feias demais pelos padrões rigorosos da União Europeia, mas que podem ser perfeitamente consumidas. São produtos que, apesar da aparência, mantêm os seus valores nutricionais e o seu sabor.


Fruta Feia é um grande sucesso. Como escreveu o "New York Times", ela "subverteu noções rígidas sobre o que é bonito, ou, pelo menos, sobre o que é comestível".


Não é pouca coisa para uma cooperativa que começou a comercializar frutas e verduras no fim do ano passado.


Isabel Soares, a portuguesa que criou a Fruta Feia, começou sua operação em novembro depois de ganhar um prêmio de inovação da Fundação Calouste Gulbenkian. Hoje já tem uma lista de espera com mais de mil pessoas.


Um de seus clientes, entrevistado pelo jornal americano, disse que compra os produtos da Fruta Feia não só pela economia, mas, mais do que isso, pela possibilidade de contribuir para reduzir o desperdício de alimentos.


Estima-se que a União Europeia desperdice cerca de 89 milhões de toneladas por ano de comida por causa de suas rígidas regras de comercialização de produtos e outros ralos. Em Portugal, cerca de 30% da fruta produzida era desperdiçada por não atenderem às exigências de cor e formato do comércio tradicional.


A ideia de Soares é brilhante, e sua marca, também. Fruta Feia virou fruta bonita. E ganhou o mundo com propaganda gratuita via reportagem do jornal mais influente do planeta. Isso é comunicação no século 21. Isso é entender as mudanças em sua volta --crise econômica europeia, combate aos desperdícios, valorização do natural-- e criar um conceito, um produto, uma marca que possam levar essas mudanças ao próximo patamar.


Este é o caminho. Quem ficar obcecado pelas novas tecnologias vai perder o principal. E o principal é a alma, o software definitivo.


Como minha querida amiga Arianna Huffington colocou em seu mais recente livro, o sucesso não é mais o acúmulo de dinheiro e de poder. Isso não é sustentável. É preciso encontrar a terceira métrica, a terceira medida: a felicidade. E ela se sustenta em quatro pilares: bem-estar, sabedoria, encantamento e benemerência.


Fruta Feia se sustenta nesses quatro pilares. E a sua atividade?


Nizan Guanaes - publicitário e presidente do Grupo ABC, colunista do jornal Folha de São Paulo

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