Consumo consciente chega à tecnologia


Todos precisarão investir na sua prateleira de orgânicos, com produtos que conquistem a confiança

O consumidor de tecnologia está mudando rapidamente seus valores e sua percepção em relação aos serviços que usa. É um movimento parecido com o crescimento dos orgânicos no mercado 
de alimentos nos últimos anos.

Hoje, nos grandes supermercados, é obrigatório ter ao menos uma seção com produtos certificados, que informa a procedência do alimento e que privilegia ciclos naturais de cultivo ou restringe o uso de pesticidas. O produto pode até ser mais caro, mesmo assim um 
segmento crescente opta por ele.

Com os casos cada vez mais frequentes envolvendo desrespeito à privacidade e abuso de dados nos serviços de tecnologia, essa mudança de valores e percepção é cada vez mais acentuada. Uma pesquisa recente mostrou que 23% dos usuários da internet nos Estados Unidos e na Alemanha já são o que pode ser chamado de usuários conscientes.

Tal como os consumidores de produtos orgânicos, essa categoria tem fortes afinidades com uma série de valores de que não abre mão. Por exemplo: privacidade, controle sobre seus dados, práticas comerciais justas, direito de levar sua conta para outro lugar, transparência, informações claras sobre exatamente o que está acontecendo no serviço e assim por diante.


Entrada da loja Amazon Go em Seattle. A tecnologia dentro da unidade permite uma nova experiência de compra sem filas de pagamento /Kyle Johnson/The New York Times

A categoria de usuários conscientes é cobiçada e de alto valor. Esse segmento usa mais a internet do que a média da população em geral. São também microinfluenciadores. Seu comportamento dita tendências que se espalham para outros perfis. Quando percebem um serviço que se alinha aos seus valores, abraçam sua divulgação e espontaneamente buscam trazer mais usuários para ele. E mais relevante: a projeção é que essa categoria de usuários vá crescer significativamente nos próximos cinco anos.

Essa é uma chamada para que o setor de tecnologia reorganize sua forma de atuação. Um dos elementos mais importantes nesse contexto é a promoção da confiança: saber que o serviço que você usa é 
construído em seu benefício, e não o contrário. Isso afeta todos os segmentos do mercado digital. Redes sociais, buscadores, serviços de nuvem. Afeta também portais, sites de notícia e outros produtores de conteúdo, que precisarão adotar práticas mais transparentes no uso de “trackers” e outros identificadores.

E, sobretudo, afeta os “data brokers”, empresas que coletam dados de inúmeras fontes, tanto físicas quanto de sites e plataformas espalhados pela rede.

Todos precisarão, cedo ou tarde, investir na sua prateleira de orgânicos. Precisarão construir produtos que conquistem a confiança do consumidor. Para isso, vai ser necessário adotar transparência 
e regras de privacidade mais bem desenvolvidas. No início esse movimento pode ser visto como um custo. Mas logo será visto também como oportunidade. 

As empresas que seguirem por esse caminho acabarão se diferenciando, dividindo o mercado entre os serviços que levam a sério a confiança do consumidor e aqueles que têm como prática abusar dela.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio e representante do MIT Media Lab.

Fonte: coluna jornal FSP

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