Por que copiamos modelos internacionais de gestão
de pessoas se nossos indicadores os superam?
Indicadores
mostram que nossos vínculos sociais são força competitiva, mas ainda importamos
modelos frios
Em 2025, a Gallup confirma algo revelado há vários
anos e que deveria chacoalhar as certezas de qualquer executivo brasileiro: a
América Latina, apesar de todos os seus desafios estruturais, possui uma das
maiores taxas de engajamento no trabalho (31%) e a segunda maior avaliação de
qualidade de vida global (54%).
Isso supera com folga a média mundial de
engajamento (23%) e coloca a região à frente de potências econômicas como
Alemanha, França e Japão, onde o engajamento beira os 15% em alguns casos.
Mas o que sustenta esse paradoxo? Obviamente
não é o PIB ou a estabilidade das instituições.
São fatores relacionais: conexões sociais fortes,
senso de comunidade, espiritualidade cotidiana e redes de apoio afetivo que
atravessam o ambiente de trabalho.
Estes são os elementos reconhecidos pelo
World Happiness Report como determinantes da felicidade subjetiva nos países
latino-americanos.
Ainda assim, vemos nas grandes empresas brasileiras
uma insistência em importar estruturas hierárquicas engessadas, métricas de
desempenho que desumanizam e modelos de liderança baseados em controle,
eficiência e distanciamento emocional.
Estes inspirados, ironicamente, nas
mesmas regiões que hoje lideram o ranking do desengajamento e do mal-estar
psíquico no trabalho. Há anos estamos importando remédios que não funcionam nem
mesmo em seus países de origem.
Claro que não se trata aqui de romantizar a gestão
latino-americana. Nossa região convive com altos índices de informalidade,
desigualdade, precarização e baixa produtividade estrutural.
Além disso, 40%
dos trabalhadores latino-americanos ainda dizem estar procurando ativamente um
novo emprego, indicando que esse engajamento mais alto não se converte,
necessariamente, em retenção ou prosperidade.
Mas ignorar os ativos intangíveis que temos como
nossa vocação para o cuidado, o calor humano e a construção de vínculos é
desperdiçar o que o próprio relatório da Gallup chama de "potencial humano
desbloqueado".
Especialmente num momento em que a Inteligência Artificial ameaça cortar os
laços humanos do trabalho, como aponta o mesmo relatório, esses ativos podem se
tornar nossa vantagem competitiva mais subestimada.
O desafio agora é este: seremos corajosos o
suficiente para construir um modelo de gestão genuinamente latino-americano que
una tecnologia, produtividade e humanidade ou seguiremos copiando
fórmulas frias e ineficazes, esperando resultados diferentes?
ELIEZER LEAL - coach certificado Gallup e sócio da Singuê, onde
lidera programas de equidade, inclusão e diversidade no Brasil e no exterior