O futebol é uma caixinha de surpresas, certo?
Há
indícios um pouco preocupantes de que o futebol está se tornando mais
previsível do que costumava ser.
Estudos
apontam que os resultados dos jogos estão mais previsíveis do que no passado;
grau de acerto cresceu 20% do início do século até o final da década passada
Em 2010, o estatístico norte-americano Nate
Silver, que se notabilizara usando matemática para prever os resultados dos jogos de
beisebol e da eleição de Barack Obama, foi solicitado a fazer uma análise da Copa do Mundo
da África do Sul.
Ele previu que o Brasil seria campeão. Tomamos 2-a-1 nas quartas-de-final
e ficamos em sexto lugar.
Não havia nada de errado com a matemática de
Silver, que aliás nem se saiu pior do que outros especialistas: apenas, o
futebol é muito mais difícil de modelar matematicamente do que outros esportes.
Segundo pesquisadores da universidade Cornell, nos Estados Unidos, o time
favorito ganha em apenas 50% dos casos, enquanto isso acontece 60% das vezes no
beisebol, e quase 70% no basquete ou no futebol american
Isso é explicado cientificamente pela Lei dos
Grandes Números, um teorema a respeito de eventos aleatórios como o lançamento
de moedas provado em 1713 pelo matemático suíço Jacob Bernoulli.
A lei afirma
que, embora o resultado —cara ou coroa— a cada lançamento seja imprevisível, se
repetirmos muitas vezes é praticamente certo que cada um dos lados sairá na
metade das vezes: a probabilidade de ter mais do que 51% de caras ou de coroas
é muito baixa.
Uma partida de basquete consiste de grande
número de jogadas em que as equipes tentam fazer pontos.
A cada jogada o êxito
é incerto, mas com a repetição o time mais forte acaba prevalecendo. Já no
futebol, há poucos momentos suscetíveis de alterar o escore: é raro que haja
mais de uma dúzia de chutes a gol.
Assim, o resultado é muito mais aleatório:
os pesquisadores de Cornell estimam que seja 50% talento e 50% sorte.
Há quem ache injusto que o melhor time esteja
sujeito a perder apenas por falta de sorte.
O problema poderia ser
"resolvido", dizem, mudando as regras para aumentar o número de gols
por jogo, o que reduziria o papel do acaso.
Mas a imprevisibilidade é justamente um dos
aspectos do futebol que o tornam tão apaixonante: em que outro esporte a
torcida da Macedônia do Norte poderia entrar no estádio com a esperança de
eliminar a tetracampeã Itália?
Aliás, em esportes como o beisebol e o basquete
nos Estados Unidos são feitos grandes esforços para manter os times
equilibrados e, com isso, restabelecer o papel da sorte!
Acontece que há indícios um pouco preocupantes
de que o futebol está se tornando mais previsível do que costumava ser.
Para as casas de apostas britânicas, as chances de
o Leicester City ganhar a Premier League em 2016 eram
de 1 em 5000.
No entanto, ao final da temporada as raposas, como são chamados,
estavam levantando a taça. São momentos assim que distinguem o futebol de
outros grandes esportes.
Todo ano, as equipes das principais ligas
esportivas norte-americanas (hóquei no gelo, basquete, beisebol, futebol
americano) contratam jogadores por meio de procedimentos complexos, os
"drafts" (recrutamentos), concebidos de tal modo que as piores
equipes têm vantagem na compra dos melhores jogadores para a temporada
seguinte.
Trata-se de esportes em que a força relativa
dos times é determinante para o resultado.
Sem o draft, os times mais ricos
simplesmente contratariam os melhores jogadores, adquirindo vantagem decisiva
para ganharem e se tornarem ainda mais ricos, o que desequilibraria a liga e
acabaria com a graça da competição.
Já no futebol, o acaso é tão importante quanto a
força das equipes, o que faz com que os resultados sejam mais imprevisíveis,
mesmo quando alguns times são bem mais fracos.
Conforme expliquei aqui, isso
está ligado ao fato de haver poucos gols em cada partida: um único gol, obtido
num golpe de sorte ou inspiração, pode dar a vitória ao azarão.
Mas, segundo trabalho de pesquisadores da
Universidade de Oxford publicado ao final de 2021 na revista Royal Society Open
Science, isso está mudando.
Usando ideias de ciência das redes, a área da matemática que
estuda sistemas complexos de relações, tais como a internet e as redes sociais,
esses pesquisadores desenvolveram um modelo preditivo dos resultados das
partidas de futebol, que aplicaram a quase 88 mil jogos realizados em 11 ligas
europeias entre 1993 e 2019.
Eles concluíram que os resultados dos jogos se
tornaram bem mais fáceis de prever com antecedência do que no passado: o grau
de acerto, que era de 60% no início do século, já estava em 80% ao final da
década passada.
Esse efeito é ainda maior nas ligas mais ricas (Inglaterra,
Alemanha, Espanha, Portugal), onde a abundância de dinheiro agudiza as
desigualdades de poder aquisitivo entre as equipes.
Isto não quer dizer que o futebol vá se tornar
chato do dia para a noite, mas é um fenômeno preocupante a ser monitorado por
todos os que querem preservar a magia do esporte.
Eu sou especialmente
sensível, porque o caso do Leicester City mostra que enquanto o futebol for
futebol haverá esperança para o Glorioso Botafogo F. R.!
MARCELO VIANA - diretor-geral do Instituto
de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de
France.