Extrativismo predatório
Modo de exploração
de recursos naturais deixa cicatrizes na paisagem e nas comunidades atingidas,
mas é lucrativo para quem o pratica.
O extrativismo predatório está enraizado na
história do Brasil.
O próprio nome do país vem de uma árvore nativa, pau-brasil, que foi o primeiro bem
natural explorado pelos colonizadores.
O interesse no pau-brasil era a resina
vermelha da madeira, usada para produzir um corante para tingir tecidos. A
exploração foi intensa.
Esse modelo de extrativismo predatório se manteve
durante o Brasil colônia e persiste até hoje, ainda que disfarçado.
Modelos de
desenvolvimento para a amazônia com base na exploração de recursos naturais
impulsionam o desmatamento e a mineração ilegais.
Não é por acaso que o pau-brasil e a castanheira,
árvore nativa da amazônia, estão na lista de espécies ameaçadas de
extinção.
Além da exploração do pau-brasil, a mineração
também ganhou destaque no Brasil colônia. O ciclo do ouro no século 18 não só
impulsionou a imigração como marcou um movimento populacional para o interior
do país.
A atividade extrativista teve e continua tendo sérios impactos ambientais,
sociais, econômicos e humanitários.
Em novembro de 2015, a barragem do Fundão, em Mariana, rompeu-se e
despejou quase 44 milhões de metros cúbicos (um metro cúbico equivale a mil
litros) de rejeitos, destruindo o distrito de Bento Rodrigues.
A lama de
rejeitos atingiu o rio Doce e 38 municípios em Minas Gerais e Espírito Santo.
Dezesseis dias após o rompimento a lama atingiu o oceano Atlântico. É o maior
desastre ambiental do mundo envolvendo barragens de rejeitos.
Em janeiro de 2019, a barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho,
rompeu-se e despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos.
Sem qualquer alerta, uma vez que a sirene de emergência não tocou, 272 pessoas
morreram (muitos eram trabalhadores da mina). É o maior acidente de trabalho já
registrado no Brasil.
Ambas as barragens que se romperam tinham projeto
de montante, o método de construção mais barato, porém o mais vulnerável.
As
barragens a montante não são construídas de uma só vez. Elas vão sendo alteadas
para dentro, apoiando-se nas bordas e nos rejeitos que já existem.
Após os desastres em Mariana e Brumadinho, a lei 14.066, de 2020,
proibiu a construção de barragens a montante e determinou que aquelas já
existentes deveriam ser desativadas até fevereiro de 2022.
Entretanto, segundo dados da Agência Nacional de
Mineração, das 56 barragens a montante existentes no Brasil, 5 estão
inativas, 2 estão em atividade e 49, em processo de descaracterização.
Além
disso, 40 dessas barragens apresentam um dano potencial alto (impacto ambiental
e socioeconômico) e 20 são de alto risco. No momento, três barragens apresentam
o grau de risco mais elevado de ruptura, todas localizadas em Minas Gerais.
O persistente legado do extrativismo predatório
deixa cicatrizes na paisagem e nas comunidades atingidas, mas é lucrativo para
quem o pratica.
O processo de reparação se arrasta, o apagamento dos
vestígios e memória se acelera, e a justiça se torna uma utopia.
Em outubro será julgado um processo contra a
mineradora BHP (controladora da Samarco junto com a Vale, responsáveis pela barragem do Fundão).
É
a maior ação coletiva da história, com mais de 700 mil pessoas e entidades
representadas.
Não há dinheiro que compense as vidas perdidas e a
destruição ambiental. Mas há que haver justiça, pois a impunidade contribui
para a persistência do caráter predatório (e por vezes ilegal) do extrativismo.
Com a crescente demanda por formas alternativas de
energia é crucial que se busquem formas sustentáveis e responsáveis de
extrativismo, com monitoramento independente. Caso contrário, desastres como os
de Mariana e Brumadinho continuarão a acontecer no Brasil e no mundo.
MARCIA CASTRO - professora de demografia e chefe do
Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.