Brasil, segundo a Embrapa, maior índice de
perdas está no manuseio e no transporte, com 50%
A alta no preço dos
alimentos e o aumento previsto para a demanda nos países emergentes colocaram o
desperdício no centro do debate sobre segurança alimentar.
Os volumes perdidos
justificam a preocupação. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação), 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são perdidos
ou desperdiçados por ano em todo o mundo --o equivalente a 30% de tudo o que é
produzido.
O número considera
perdas em todos os estágios --do campo ao prato.
E, apesar de os
alimentos pesarem cada vez mais no bolso, o maior índice de perdas (35%) ocorre
no consumo, puxado pelos países desenvolvidos, responsáveis por 56% do
desperdício, segundo o Banco Mundial.
Quem nunca recusou uma
cenoura porque estava torta demais? Ou quebrou a pontinha de um quiabo para
saber se estava no ponto para levar para casa? São ações que parecem inofensivas, mas
pesam nas estatísticas. Afinal, ninguém vai comprar aquele quiabo que ficou com
a pontinha quebrada na banca. Será, portanto, desperdiçado.
Estudo divulgado no mês
passado pelo painel de especialistas em segurança alimentar das Nações Unidas
analisa os efeitos desse desperdício. Entre eles está a menor oferta de comida
no mundo e, como consequência, preços elevados.
Por outro lado, destaca
o estudo, preços mais altos tendem a incentivar maior cuidado com os alimentos
--teoria que ajuda a explicar a maior preocupação com o desperdício atualmente
e as novas iniciativas para reduzi-lo (leia texto abaixo).
BRASIL
O problema do
desperdício no Brasil não se concentra no consumo, responsável por 10% das
perdas. O maior índice está no manuseio e no transporte (50%), segundo estudo
da Embrapa.
Antonio Gomes,
pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos, afirma que o transporte, o
manuseio, as embalagens e a forma de comercialização de alimentos "in
natura" no Brasil, a granel, são inadequados.
"O Brasil está
muito atrasado em práticas para reduzir as perdas", afirma Walter Bleik,
professor titular de economia agrícola da Unicamp e um dos autores do estudo
mais recente da ONU.
Entre as mudanças
sugeridas pelos especialistas para reduzir o desperdício nesse estágio da
cadeia estão cargas refrigeradas para o transporte de frutas e verduras (ou
pelo menos o transporte à noite, quando há menos luz e calor) e o fim das
caixas de madeira para os perecíveis.
"Não é possível
higienizá-las de forma adequada. Um fruto com fungo transportado ali pode
contaminar muitos outros que serão levados no mesmo local posteriormente",
diz Bleik.
No caso de cereais e
grãos, são necessários investimentos maiores e mudanças estruturais. A
principal causa das perdas está no transporte da safra por caminhões.
TRANSPORTE
Segundo Antonio da Luz,
economista-chefe do sistema Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do
Sul), a única forma de reduzir o desperdício de grãos e cereais é aumentar de
maneira significativa a participação do modal hidroviário na matriz de
transportes. "Um caminhão não foi feito para percorrer 2.000 quilômetros
com soja."
Ele compara o transporte
da soja no Brasil e nos EUA, que produz volume semelhante. Enquanto 60% da
oleaginosa é transportada por hidrovia nos EUA, no Brasil esse percentual é de
apenas 11%.
Além dos grãos que caem
das carretas durante os longos trajetos, o economista calcula as perdas
financeiras.
Enquanto um produtor de
Iowa (EUA) gasta US$ 100 por tonelada para percorrer 2.149 quilômetros até o
porto de Nova Orleans e colocar a sua soja em Xangai, o agricultor de Sorriso
(MT) tem uma despesa de US$ 157 por tonelada, considerando um trajeto menor até
o porto de Santos, de 1.900 quilômetros.
Em mercadorias, a
diferença de infraestrutura e de custos entre o Brasil e os Estados Unidos
causa ao produtor mato-grossense uma perda de sete sacas de 60 quilos de soja
por hectare --o equivalente a 14% da produtividade média no Estado, de 50
sacas/hectare.
"Nós tratamos todo
esse gasto a mais do produtor brasileiro como desperdício. E os esforços para
reduzi-lo ainda estão muito longe do que é necessário", afirma Luz.
Tatiana Freitas – jornalista
da Folha de São Paulo
Fonte: site controversia