«… e não ha nada como estar
limpo, cara, mas você precisa de esperança e esperança é algo que você tem que
construir dentro de você.” John Lennon
(Por ocasião de sua entrevista
em 1971, comentando sua prisão por porte de maconha pela Policia londrina).
Ando muito inquieta, incomodada
com a maneira desintegrada como os últimos acontecimentos se passam. Observo
como toda a população, aliviada, aplaude. E ela tem razão. Sair do cerco onde
aquelas comunidades se encontravam ha três décadas, no mínimo, é motivo de
comemoração pela possibilidade de recomeço.
Quem não quer ser livre, quem
não quer exercer a liberdade, segundo o seu arbítrio, o famoso direito de ir
-e- vir ainda que seja da escola ate a quitanda, do trabalho para casa, do
vizinho ate a praça? Essas coisas comezinhas que fazem parte da condição
humana, todos as queremos, pois é através deste caminho singelo que vamos
costurando nossas historias de vida. Todos nos, seres humanos, independente de
nosso berço histórico, cultural e social. Então quem abre as portas, derruba as
barricadas, deixa o caminho livre, sem balas perdidas que nos possam atingir e
aos nossos filhos mesmo estando dentro de nossos quartos, são os nossos heróis.
Os nossos libertadores, nossos salvadores.
Sem duvida nenhuma.
A estratégia de guerra se impôs
e os soldados do bem, da policia pacificadora se fizeram presentes. A
comunidade sofrida, cheia de otimismo e com a sua confiança recuperada entregou
as informações a quem de direito e tuneis foram explorados, telhados
descobertos, paredes foram ao chão, o armamento de guerra foi relocado e o que
havia sido roubado recuperado. E a erva, de todo tipo foi incinerada, a
toneladas. A mais bela fumaça jamais vista, o mais belo incêndio provocado pelo
homem subiu aos céus… Um verdadeiro apocalipse ao contrario. Ate mesmo as
lagrimas de sofrimento das mães que ficaram sem seus filhos, das esposas sem
seus maridos e dos filhos sem seus pais pareceu suportável em nome da vida nova
que se anuncia!
E tudo parece se encaminhar para um Happy End bem a maneira dos
filmes americanos de bandidos e mocinhos.
Acontece que estamos tão
aliviados que parecemos ter nos esquecido do começo de toda esta historia –
esquecimento de alivio? – talvez uma bela resistência a maneira de Lacan diante
do absurdo da realidade, o que pode nos levar ao absurdo de nega – la. Não
tenho qualquer pretensão de esclarecer as multifaces das interfaces que regem o
fenômeno do uso das drogas, tema por demais arraigado e complexo para um
simples texto. Melhor seria escrever um tratado e talvez nem assim lograsse o
intento, pois muitos especialistas têm contribuído, sem ponto final. Alias,
como todo assunto pertinente ao humano.
O que aqui venho chamar a
atenção é para que se não houver um olhar sobre o usuário, se políticas
sanitárias, de saúde em nível nacional, não se debruçarem sobre aquele que
depende, o dito viciado, o dependente, todos estes últimos acontecimentos de
saneamento social terão sido em vão. Afinal é ele quem sustenta a droga, ele é
o seu comprador. Um comprador que depende do comercio , um cliente –doente.
Preciso me explicar?
Vão ai alguns exemplos: Fulano
é filho de família de viciados de todos os tipos, sexo, álcool, baixa estima,
depressão então compreensivelmente entrou nas drogas desde os 16 anos; as suas
irmãs, muito esforçadas e voltadas a própria recuperação em termos de saúde
mental, fazem de tudo para ajudar o irmão mais novo a sair deste lugar,
internações se sucedem ha 14 anos mas Fulano perdeu a critica; sai do hospital
e no mesmo ônibus desce no ponto de venda e por la fica anulando a internação.
Some uma semana, dez dias, dorme com os mendigos da rua, volta estropiado para
casa, machucado, doente, dizendo-se arrependido. Em casa é recebido, banhado,
alimentado e vestido; diz que vai estudar ,fazer ginástica, namorar… Porem
estes propósitos ate agora, estão somente nas palavras…
Beltrano também não se saiu
bem. Advogado e filho de família de advogados bem sucedidos é jovem e bonito.
Não se sabe bem porque ele entrou nas drogas, mas enquanto não sai delas vende
o que encontra pela frente, seja da mãe, da irmã, não importa. Carro,
celulares, som, TV… A mãe agora aceitou sua dependência e custeia suas
internações que não são baratas, pois o hospital onde ele se adaptou é longe de
casa, em outro estado. Ele fica isolado da família, então volta, fica uns dias
em casa e quando sente que “o bicho ta pegando”, retorna para a clinica…
Sicrano é bem diferente. Empresário bem sucedido, muito inteligente, fez muito
dinheiro. Entrou nas drogas parece que por influencia do irmão mais novo também
usuário. Agora se uniu a uma mulher, aparentemente não tem nada em comum, ou
tem o uso de drogas, segundo o relato de sua mãe… O jovem casal seguia o ritmo
normal da vida ate que a esposa descobriu que o marido é usuário de crack. A
esposa entrou em analise para ajudar-se a compreender o seu papel nisso tudo…
E assim vamos.
A preocupação dos profissionais
da área de saúde, em especial da saúde mental emocional, se justifica através
de exemplos infindáveis. E é lógico, existem outros tantos outros bem mais
dramáticos, quando o afetivo fica completamente lesado e o sujeito dependente
chega a oferecer a própria irmã ao traficante para saldar dividas, ate chegar
aos assassinatos e ao suicídio direto pois o indireto ai já esta implícito.
Hermínio Miranda vira ao nosso
socorro e afirmara que: “O Homem tem saudades de Deus” explicando este enorme
buraco que precisa ser preenchido a qualquer custo; a Psicanálise propõe uma
falta fundamental, e a maioria das Terapias Humanistas e Cognitivas proporá um
gerenciamento desta “falta” tornando-a existencialmente suportável e
sistemicamente compreendida pelos muitos outros prazeres da auto realização e
da auto aprovação.
Mas voltando a Lennon esta é
uma tarefa pessoal, “esperança é algo que você terá que construir dentro de
você”, cada um a seu tempo , sua maneira , sua escolha, seus valores fundamentais.Trabalho
demorado e nem sempre bem sucedido. Não é uma tarefa pequena a tarefa de viver.
Citando Guimarães Rosa: “Viver é dificultoso e carece de coragem”. Fica fácil
imaginar então a dificuldade que se eleva a potencia máxima quando você passa a
ser regido, dirigido e aprisionado pela dependência química, filha do seu
déficit emocional e porque não acrescentar, espiritual.
Temo me afastar do meu objetivo primeiro ao redigir este texto,
então retomo a questão: se não houver um programa federal de apoio ao
dependente químico grave, todo este esforço atual será passageiro. Ora se sou
viciado em tomates e dizimam a plantação e prendem os plantadores de tomates,
terei que ou morrer pela falta, o que não seria uma solução ética, ou terei que
arrumar quem me forneça ou plantarei eu mesmo? Como fazer? Ate aqui nada que
contemple a ética também. Muito bem me lembrou uma amiga psicanalista que
trabalhou na Saúde Publica num centro de recuperação para drogadictos, se não
acontecer uma ação multidisciplinar e um apoio clinico a família, visando uma
terapêutica do grupo e no grupo, se não forem assentadas as bases que permitam
ao sujeito encarar-se, a droga continuara a ser a solução “perfeita” e rápida
para “o buraco” onde o mesmo se encontra.
Um programa ativo de combate as drogas deve se propor não só a
isolar a quem fornece mas a quem consome, duas pontas de um mesmo problema.
Entre um ponto e outro, há tudo mais: família, sociedade, propriedade,
educação,saúde, ética, Deus. Enfim, todo o entorno. A presença e ausência de
todos estes elementos vitais que farão a diferença na vida de cada pessoa. E
mais,um programa com esta magnitude deve visar a formação da equipe
multidisciplinar, ferramentas especificas para a sua execução.
Somente assim poderemos toda a sociedade, bater palmas e
respirar aliviados. A guerra estará vencida. E que maravilhosa será a sensação
de termos contribuído para a presença da esperança!
Alcione Albuquerque – psicóloga com título de Especialista Clínica
Fonte:
ABRAPE – Associação Brasileira dos Psicólogos Espíritas